Salve a força de João Caveira
Peguei o tridente que João mandou o Ygor me entregar e transformei num colar talismã.
Não é uma guia, mas me inspirei em alguns fundamentos. Estão representados o meu guia de frente, o Exu que me levou ao João, e principalmente o João.
Quando meu amigo disse que o João tinha um recado para mim, cobri o rosto receoso do que fosse ouvir.
Não é do feitio dele ser amoroso, mas o que eu temia era ele dizer que eu precisava ir ao terreiro para falar comigo - algo que eu não faria, mesmo que ele pedisse, mesmo que eu o ame tanto.
E o recado era simplesmente “Entrega isso ao meu cambono. Fala que estou vendo sua luta e solidão. Quando ele se sentir sozinho, lembrar que eu nunca o abandonei e nunca o irei abandonar.”
Dias antes, choveu por duas semanas seguidas, choveu mais dentro do que fora do barraco. Algumas noites em claro por causa do colchão molhado. Como pude deixar a situação chegar nisso? Por mais que minha saúde mental esteja ótima, ninguém merece uma vida material assim.
Por alguns minutos, chorei. Pela situação e por estar sozinho, não ter nenhum amigo. Em outras eras teria ficado deprimido, não mais. Chorei o que precisava e me recompus. Voltarei a ter conforto e amigos por perto.
“Fala que estou vendo sua luta e solidão.”
João estava falando desse momento.
Estou tirando minha habilitação e tenho ficado nervoso nos últimos dias de aula - insatisfeito com meu progresso, não sei por que raios vivo esquecendo de olhar pra fora e sem perceber olho pro cambio. Hoje foi a última aula, segurei o tridente por debaixo da camiseta e clamei pelo João. Pela primeira vez lembrei de todas as olhadas e me mantive calmo do início ao fim. Deixei o instrutor surpreso, me perguntou o que houve pra ter essa mudança repentina? Foi Exu, pensei.
Quando me tornei quimbandeiro pensei se seria possível que eu nunca mais tivesse um episódio depressivo, mas um dia escutei histórias violentas de Exus no terreiro e fui embora puto e deprimido. Achei que ia acordar bem, mas continuei deprimido, e desapontado que a depressão se mostrava ainda presente na minha vida.
Inesperadamente, uma irmã de santo me mandou um vídeo de João. Imaginei que ia levar um esporro, que eu estivesse desafiando e desrespeitando Exu. Mas João não falou nada, ele simplesmente cantou. O ponto cantado refletia o que eu sentia. Quando nos encontramos, bastou cinco palavras para eu entender porque estava deprimido e porque a depressão foi uma constante na minha vida. Em cinco palavras ele fez mais por mim do que anos de terapia, psiquiatria, remédios e dezenas de rituais xamânicos. Claro, não posso desconsiderar que tudo que vivi antes foi necessário para eu ter a bagagem de entender o que ele disse. Mas foi ele que me fez entender a minha depressão - a qual não mais me deu problemas.
João Caveira foi o primeiro Exu com o qual tive contato. Ele comeu a minha mente, me trouxe o caos e me fez cambono. Me levou pra um terreiro de umbanda e cortou minha testa para que nenhum orixá chegasse perto. Me batizou em nome de Satanás e disse que passaria 100 anos com ele no inferno. Me fez auxiliar em muita amarração e defuntaria. Me ensinou as diferenças entre bruxaria, feitiçaria e necromancia. Me concedeu a honra de conduzir as rezas para Lúcifer.
Queria ter aprendido muito mais com ele, mas a espiritualidade tinha outros planos. Não voltaremos a nos ver, e ainda assim ele continuou se referindo a mim como seu cambono.
“Não haverá cambono melhor que eu e nenhum outro cético que ele goste tanto quanto eu”, brinquei com os irmãos de santo quando fui embora. E suas palavras me fazem crer que estava certo.
Salve a força de João Caveira!
Laroye Exu!