Paranoia aos 30
Cheguei aos 30 e resolvi usar meu desequilíbrio químico para escrever histórias mais inspiradoras
Não para os outros, mas para mim mesmo
Sigo desde então escrevendo ficção
Assim posso usar minhas memórias fragilizadas para fabricar novas histórias que não sejam nocivas a minha própria versão
Longínqua duradoura para noia composta por tantos e tantos momentos envasados em diversos enredos
Quanto tempo cabe num momento?
Qual a duração exata do momento em que nos damos conta que o momento anterior acabou?
É um brilho no olhar que se esconde
Não por vergonha ou por comoção
Se esconde pelo movimento da cabeça que noutro ângulo bloqueia a visão
O brilho continua lá apontado em outra direção
Onde você não se encontra
E nesse breve momento que cabe em um segundo ou que milissegundos bastam para compor com precisão
Esvanece a mais remota possibilidade de segurar para sempre os resquícios de um sentimento atropelado de tão vívido que suplica pedindo implorando gritando seja no coração ou na cabeça ou no ouvido. quem é esse que berra comigo? um berro que antes que acabe já perdeu o som e só emite o início de um sinal de alerta: chegou ao fim esse momento mágico e agora não adianta querer dar um passo pois esse caminho já não existe mais, não para você, como se um rio separasse o corpo físico da energia que rotaciona entre corpos celestes estelares debaixo do céu azul, marinho em cima, preto desfocado embaixo, como uma escuridão que preenche o espaço vazio e assim que se desvia o olhar e retoma para o mesmo campo de visão já não se encontra o objeto de desejo na mesma distância, pois aquele momento acabou e nesse que se encontra o espaço entre a gente é maior, o espaço entre eu e você, o espaço entre você e eles, o espaço entre eu e vocês.
Olho para vocês cada vez mais distantes
Não, não!
Você olha para eles cada vez mais distantes
Isso aqui é uma ficção
Preciso de um nome
Eliel. Não!
Gisele. Grilo. Tulio. Potira. Manuel. Elizeu, linguado, paçoca, maçaroca, caralho que inferno de dificuldade de achar a porra de um nome fictício para a merda desse personagem que vomita palavras que descrevem momentos reais apenas na cabeça desse que pensa e vive uma ilusão, paranoia, obstrução racional, perigo ambulante de paraquedas na imensidão de possibilidades e momento perdidos para sempre nesse fluxo da linha do tempo que nunca regride, jamais retorna, apenas afasta, eu e você, você e deles, eu de nós.
Dói uma pontada olhar e não encontrar mais o brilho lá, que já se foi
Viramos o corpo para outro caminho, em busca de outro brilho, vamos cantar essa canção?
Era felicidade que se encontrava lá e agora está do outro lado do rio, do outro lado da escuridão, ou a felicidade permanece imutável intransponível para sempre inalcançável apenas num registro de um breve momento que não existe mais e que em algum próximo momento, remoto ou não, se tornará mais uma memória fragilizada. não me perguntem se eu me lembro, pois me lembro não.
Não importa
Os brilhos são diferentes, as passagens são diferentes
Me dê a mão. Me dê a mão. Um universo de esperança.
Olha a felicidade aqui novamente, enquanto relembramos e cantamos essa canção. meu corpo no chão. quente ou frio.
Não importa
As árvores riscam a visão e apontam para a lua
Como é bom se drogar e ter seis dedos em minhas mãos
Não peço cigarros nem alcool, só quero tocar a copa das árvores tão distantes mas tão perto enquanto não tenho noção de espaço nem de direção, seja para o caminho do brilho, mais um brilho, salvação ou redenção
Quanto tempo cabe num momento?
Qual a duração exata do momento em que nos damos conta que o momento anterior acabou?
Eu pude verificar e sentir, fazendo um esforço posso dizer que dura cerca de 2 batidas e meia de coração. se tivesse uma máquina que captasse dissociação e repartição nesses fluxos temporais repetitivos, viriam minha cara derreter, meu sorriso desmanchar, por dentro, não por fora, que as vezes permanece intacto e desprotegido.
Será que todo momento que se perde tem a mesma duração a partir do momento que deixa de estar presente para se tornar passado?
Não importa, afinal isso é uma ficção, ou é apenas tão real na cabeça de quem sente e portanto não menos real?
Cheguei aos 30 e descobri que não sei escrever ficção
Ou que sei muito bem atuar no plano das ideias e utilizar as mãos para psicografar
Mãos trêmulas que digitam apressadas xô alzheimer sai daqui alzheimer não leve embora todos brilhos, todos os momentos, todas as felicidades envasadas e inalcançáveis para sempre perdidas nesse mar escuro de possibilidades que eu só consigo enxergar em 3D e ter uma breve ideia do que se tratam e como fazem eu me sentir nos momentos transcendentais como vislumbres que duram apenas mais um momento
Cheguei aos 30 e continuo sem saber escolher outros nomes. Preciso aprender.
Para quem sabe decodificar através da realidade de outras figuras o que se tratam os tantos pesares dentro de tantos momentos que residem em mim
Não que eu precise de mais alguém para me dizer que estou paranoico e que não devia fumar maconha, faz mal para quem tem tendências esquizofrênicas - me disse o alfredo, ou bernardo, ou machado de arapuca atchim - não que seja nosso caso, certo? me diz que sim.
Todos eles me julgam e me mandam dormir
Na verdade eu nasci as 23:40, posso dizer que ainda não é meu aniversário, então?
Eu gostaria de fazer o que me pedem e que eu mesmo quero
Quem sabe dormindo não percebamos o momento em que os momentos acabam e portanto eles não doam - e se doem ao menos não lembramos, tal qual minhas memórias fragilizadas, que amanhã esquecerá que por algumas horas eu contei quantas batidas de coração cabem no momento em que um momento começa a acabar
Ou nunca mais esquecerei porque registrei essa ficção de caráter realístico alucinógeno - será que vou lembrar do vazio que é perceber estes fins?
Não se eu não acordar
Mas eu sempre acordo
E vou acordar e ter chegado aos 30
E escrito uma ficção