Hoje eu caí com a bike
Hoje eu caí com a bike – mãe, tá tudo bem -, acho até que demorou bastante pra acontecer. Pensava que logo no primeiro mês eu acabaria parando debaixo de um caminhão ou quebraria o pescoço na Natingui. Foi nada grave, “só um susto”, como eu disse para os tantos transeuntes que pararam para perguntar se tava tudo bem. Tava, sim, só derrapei tentando subir na calçada. Nada de holofotes, trânsito parado, buzinas e engravatados carrocratas me xingando. Ainda bem. Uns arranhões e um sanguezin de leve no relevo da pele sobre o rádio distal é bem suave. Eu, bêbado, faço machucados mais tenebrosos. Acontece que eu ainda não tava ligado da carregada energia cósmica envolvendo eu e os pedais.
No dia anterior, havia marcado revisão na bicicletaria porque a coitada da bike já tá sofrida na minha mão. Hoje seria a última vez que eu pegaria nela essa semana. Me preparei, já que eu tô com uma puta dor nas costas – que tudo indica ser decorrente do peso da mochila sobre a minha falta de músculo – fui trabalhar só com uma sacolinha phyna carregando os itens mais importantes: tabaco, troca de roupa, celular e o kindle. Que beleza, larguei aquela mochila toda impermeável protetora dos eletrônicos desalentos justo no dia que o céu resolveu pesar no fim do expediente.
Qual não é a minha ideia genial de esperar na firma enquanto cai o mundo lá fora? Depois que a chuva passar, pé na rua. Só que não. Esperei duas horas e nem uma única gota chorou de cima. Ai, não é possível, esse céu já tá ficando mais limpo que a cozinha da Mônica Geller. Vamos olhar o clima tempo: “Sol com muitas nuvens durante o dia. Períodos de nublado, com chuva a qualquer hora”. Boa! A qualquer momento vai chover! Eu queria muito que investissem na meteorologia porque pros caras serem tão precisos assim é porque deve faltar verba pra ferramenta de trabalho, tipo uns balões meteorológicos e satélites bem localizados. Vamos lá acessar o site gringo então, bacana, 0 umidade e 0mm de precipitação, ok, deve ser mentira mas vou fingir interpretar que não vai chover. Bora!
Levanta, sente as dores pelo corpo e vaza.
Mó delícia meo, mó good vibes, sente a brisa da faria lima, a tranquilidade da ciclovia, eta cuzão, o cara aqui me cortando, o outro lá gritando “olha a biiikeee” quase na contramão, meu filho cê acha que eu não tô vendo cê fazendo merda. Mas não é possível. Eita, olha quem já cheguei na rua do Ibirapuera. E esse cuspe de passarinho na minha cara. Pera. Mentira que vai começar a chover agora! Mano, ainda bem que era só contornar o quarteirão mais um tanto e já tava na entrada do parque. Lá, eu só daria uma paradinha pegar Pokémon no pavilhão enquanto São Pedro lavava o quintal. Não! Cê tá me zoando que o portão tá fechado!
Caraaalho, que chuva. E contornei aquela porra de quarteirão por trás a toa. Antes que eu chegasse de volta ao ponto inicial para contornar o quarteirão em direção a paulista já tava com a cueca encharcada e quase brincando de lancha com a magrela. Nessas horas o trânsito podia ter dado uma trégua, mas alguém apertou o botão de ativar todos carros na rua enquanto eu só enxergava bolhas e vidro embaçado de banheiro através do óculos. Tirei o óculos, guardei no bolso – onde começou a rodada de novos riscos pra coleção – e encarei o astigmatismo e a hipermetropia. Fodeu, se de manhã eu já derrapei e tomei um susto, agora eu vou derrapar eexxtremee, capotar, quebrar a bike e os dentes. Tomara que tenha bateria no celular pra chamar o uber pro hospital. Aliás, o celular deve tá morrendo afogado! Ai, minha câmera, como vou tirar foto. Num movimento muito ninja, consegui socar ele e o kindle no meio da troca de roupa. Só não sabia como sobreviveriam atravessando à cachoeira que avançava.
Faltava pouco pra chegar na avenida, e obviamente eu podia ter dado uma pausa no posto mais próximo. Porém no fim das contas tava tão gostoso esse rolê olímpico made in Sampa. Eu amo chuva. Eu adoro ficar encharcado voltando pra casa. Eu só tinha receio de abrir um rasgo na testa e não poder terminar de ler 1q84 no Kindle. Mas se naquela altura do campeonato eu ainda tava vivo cem porcenta e a troca de roupa ainda tava servindo de proteção, que se foda, eu vou gritar que a cor dessa cidade souu euuuuu… Iiii, a chuva parando. Parece que não se pode ficar bem com uma situação que algum infeliz já quer trocar o cenário do jogo.
Cheguei na paulista de alma lavada. Entretanto, com dor de ouvido, tremendo, cheio de rugas e menos 3k de HP. Eu que não ia deixar barato. Contei tudo issaê só pra falar que me inspirei pra fazer uma foto melhorzinha e tô satisfeito com o resultado dessa que fiz com o celular que ainda tá vivo, grazadels.
Tô mais quebrado que a bolsa de 29 e meu RG envelheceu alguns anos no bolso, mas olha só pra esse bike.
Ela não é linda? <3