6h de uma manhã nublada diretamente do Santos Dumont
Relato da partida para um retiro espiritual de consagração da ayahuasca com indígenas Yawanawá em Petrópolis, falando sobre ansiedade, espiritualidade e o desafio de viver no presente.
Olá,
6h da manhã e estou no aeroporto Santos Dumont. Cansado, com frio e levemente decepcionado com o tempo nublado proibindo o nascer do Sol.
Minha cabeça relativamente calma. Está assim desde o momento em que entrei no ônibus para o Rio, lá de Sorocaba. A mudança repentina do meu estado mental não passou despercebida, pois nos últimos três dias estive tão ansioso que frequentemente esquecia de respirar atenciosamente e colocava a mão no coração para tentar segurá-lo dentro do peito.
Me propuseram viver uma experiência incrível nas montanhas de Petrópolis, onde nunca estive. Passarei a semana num retiro espiritual consagrando a medicina ayahuasca com indígenas Yawanawá, com os quais ainda não tive contato. Em troca, ajudarei na estratégia e análises de comunicação e negócio da aldeia que facilita a interação da cultura indígena com outras.
Inicialmente, recusei o convite. Estava vivendo a terrível onda de calor em Conchas. Com planos de ir para Botucatu e São Paulo. Era inviável. Porém, pressionado exatamente no momento certo, tive que virar meus planos de cabeça para baixo, mais uma vez.
Minha última semana em Arraial do Cabo, no início do mês, foi turbulenta. Vivi um conflito espiritual decorrente do assédio de um médium umbandista a uma hóspede do hostel. Nos últimos anos, minha espiritualidade sempre me levou para a Umbanda, embora eu continue me considerando ateu e negando o cristianismo, o que gera confusão e mais conflitos internos. Os quais ferveram com esse episódio.
No mesmo dia em que recebi a ligação do meu amigo incentivando que eu fosse para a aldeia, havia lido o texto de uma garota com os mesmos transtornos psicológicos que os meus, em que ela falava da impossibilidade de viver o presente. Li aquilo e me identifiquei tanto. Depois lembrei que viver a vida revoltadamente é o meu jeito de fugir, inclusive, desses padrões comportamentais que os depressivos e ansiosos sofrem.
Como assim eu não posso ir me meter no meio das montanhas de outro estado do nada? É claro que eu posso.
Dar o primeiro passo é sempre o mais difícil, mas depois que não tem como voltar atrás e estou no meio de alguma loucura incompreensível para quem não se joga fico agradecido por me rebelar contra a vida. A qual eu ainda preferia um teto preto no lugar.
Eu queria terminar um texto sobre como anda minha espiritualidade (terrível) e sobre como eu enxergo a vida (horrível) que comecei ao me lembrar de recusar repetir os mesmos passos da outra autora com distimia. Mas meu cansaço não vai permitir e o ambiente também não é dos mais confortáveis. Talvez ele se torne defasado depois do retiro e seja mais um dos inúmeros textos desperdiçados porque na etapa final eu já era outro e o que estava ali não mais me representava.
Fazer o quê, eu sou volátil e uma constante contradição ambulante.
Por isso, resolvi contar, durante esse tempo em que espero a carona com os gringos que também vão, aqui do aeroporto em que não vou pegar nenhum avião, sobre onde estarei perdido nesses próximos dias.
Quem sabe depois dessa semana eu não tenha mais claro o caminho a percorrer na vida profissional e de escritor, que tem me assolado no último ano, ou sobre meus transtornos e espiritualidade, que tem me assolado a vida toda. Na verdade, não dá nem para cogitar, cada consagração é uma experiência tão única e surpreendente.
Mas uma coisa é certa, a cura vem. E com ela, muito mais agradecimentos para os meus amigos que se movimentaram para isso acontecer, enérgica e financeiramente falando. Que eu possa retribuir tanto amor!
Um beijo do frio aqui do aeroporto, tô indo lá encontrar a carona que vai me levar pra aldeia.
:*