Alvorada
São 05:14. Estou na cozinha tomando um copo de leite depois de fotografar passarinhos e vacas no pasto sob a alvorada. Ao fundo, neblina cobrindo o campo, mas é só ilusão de frio. O calor insuportável me arrancou da cama às 3h e eu nem quero imaginar como será ao meio-dia. Levantei pra tomar leite, ver se chamo o sono de volta.
Aqui é o único lugar em que eu tomo leite: na casa da minha mãe. Também é o único lugar em que vejo vacas quando abro a janela. E quando a fecho. Também é o único lugar em que a chuva faz curva — tu vê a bendita de longe saudando as cidades vizinhas, mas quando percebe que está chegando por essas bandas resolve mudar de direção.
O calor pode ter ajudado, mas já não sei se foi ele que me tirou da cama. Começo a pensar que dentro de mim tem um ser querendo fazer arte. Escrever besteiras. Brincar com cores. E ele estava ansiando por um pouco de calmaria pra que eu lhe concedesse espaço pra se expressar.
Contudo, posso ter feito mau uso do primeiro dia na frente do computador. Aquelas letras gigantes pra eu conseguir ler. O excesso de telas mexeu no grau da minha vista e não deu pra buscar o novo óculos, que agora se encontra em outra cidade.
Acho um absurdo isso. Logo eu, que não me incomodo com tempo de tela e tenho preguiça de todo mundo que escreve estratégias pra diminuí-la. Eu, que me vanglorio de passar muito mais tempo off-line que a média — tomando uma no bar, arranjando foda alheia, mergulhando em cachoeira. Logo eu tendo que comprar óculos novos em menos de um ano por causa do excesso da merda de telas?
Esqueço que eu trabalho também na frente de um computador. Que a maioria dos meus projetos também são na frente de uma porcaria de tela — seja pra escrever minhas besteiras, seja pra tirar fotos de vacas acordando sob a alvorada.
Aliás, acabo de vestir o óculos ultrapassado, que já não é suficiente pra enxergar as letras confortavelmente. Melhor que nada. Sobrevivi à última meia hora escrevendo as últimas frases. Já não tem mais vaca aqui por perto. Ainda tem neblina ao fundo, mas o sol já deu o ar da graça.
Eu não imaginava que estaria ainda escrevendo, digitando nessa merda de tela do celular. Pensei que ia só vomitar um pensamento, mas acabei abrindo passagem praquele ser aqui de dentro. Filho da puta me ludibriou. Quando der por satisfeito vai bater o sono, e sei não se eu posso me dar ao luxo de voltar a dormir agora que já são quase 6h.
Dormir tem sido um luxo distante, mesmo. Veja só, nesse último fim de semana dormi parcelado. E entre um cochilo e outro anotei o seguinte: "sou tão mais feliz quando passo longos períodos longe do computador. E aí acabo adiando e evitando atualizar o Cosmoliko, pois isso me obrigaria a ficar perto de um." Sinto que era dessa anotação que o bastardo queria falar, mas comecei falando de vacas e só agora cheguei nela.
Andei dormindo mal, mas andei feliz. Como dezembro é o mês mais etílico do ano, me perdoo. Ainda gosto desse tipo de aventura e, pra falar verdade, tenho orgulho de ainda ter saúde pra continuar fazendo minhas loucuras. A maioria dos meus amigos 30+ já se cansaram. Misericórdia, devo fazer muito yoga pra limpar os chakras e adiar ao máximo a necessidade de estar na cama antes das 22h num fim de semana de dezembro. Alguns chamam de imaturidade, mas depois me pedem dinheiro emprestado.
No sábado, acordei em São Paulo, casa do Vitinho. Fui pra casa da Marcão e seguimos pro aniversário da Ciça, em Vinhedo. Chopes. Vinhos. A gente resolve dar um pulo no João, em Indaiatuba. Fico ainda mais bêbado. Vai saber o que conversei com o irmão dele, que era pra ser meu mentor de negócios. Sei que dancei ao som de Strokes com uma senhora no gramado, o Xonas fez um vídeo. Depois ele nos deu carona de volta pra Vinhedo. Entramos de fininho na casa já vazia. Durmo por uma hora até a Marcão me acordar pra pegar um Uber que ela chamou. Preciso estar em Campinas às 6h pra entrar no ônibus pra Conchas, de onde vou pegar carona com a família pra Botucatu, aniversário da minha sobrinha.
Lá eu passei um bocado de tempo no banheiro, mas depois do terceiro cagão já tava novinho em folha. Pronto pra outra.
Mentira, depois de 6 cidades em pouco mais de 24 horas, eu queria sim que o fim de semana acabasse. Que esse não seja sinal de cansaço, de que estou ficando velho, pois já me bastam meus cabelos caindo.
Eu não queria que o fim de semana acabasse pra descansar. Queria que acabasse pra eu ter mais tempo solitário pra processar minhas experiências e vomitar em palavras. Acho que só assim vou conseguir voltar a dormir.
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