#3 Mãe de misericórdia
Conheci a July no banheiro. Seu lado cuidadora e carinhosa. Apreensiva e preocupada comigo, perguntava se eu precisava de ajuda enquanto vomitava há mais de 15 minutos.
Não, tá tudo bem com ele, diziam. É assim mesmo.
Ainda tava me acostumando com a ideia do meu corpo ser usado para limpar energias negativas dos outros.
É mole? Era começar a gira que eu começava a passar mal. Às vezes, entregava o papel com minhas anotações às pressas ao consulente e corria pro banheiro se não era capaz de desmaiar ali mesmo na roda.
Fazia com gosto. Vai embora coisa ruim, limpa tudo que tem pra limpar. O que os outros médiuns não viam, não ouviam e não sabiam, eu via, ouvia e sabia. Passar mal assim parecia um preço razoável pelo conhecimento que eu adquiria.
Me orgulhava de ser cambono e cambonar tanto.
Até que Exu puxou essa menina que vinha da umbanda. A July. Disse que ela ia me ajudar, pois seríamos amigos.
Desconfiei, até com as entidades tenho um pé atrás. Desconfiei que seríamos amigos, vai ver tava falando aquilo só porque seria benéfico a eles, Exus e Pombogiras. Desconfiei e tive um leve ciúmes. Como assim mais alguém para ajudar?
Foi instaurado uma secretaria, nós tínhamos que fazer alguns corres fora das giras também. Uma palhaçada que só. Mas também os corres de sempre, auxiliando tudo que é incorporação.
Teve um corre que eu me recusei a ir. Depois de passar tanto mal e me sentir tão mal, não quis mais levantar da cama. Abracei minha depressão e fiquei largado com ela sem energia para me mover.
July se preocupou comigo, que bom que estava lá. Gravou um video de Exu e me enviou pelo WhatsApp. Eita tecnologia, parece coisa desses pastores descolados, pensei. Eu é que não vou dar play, também pensei, certeza que vou ouvir o maior esculacho e ser cobrado pelas minhas obrigações.
Mas não ouvi sermão nenhum. Apenas um ponto cantado que dialogava com o que eu sentia. Foi a última vez que tive uma crise de saúde mental e que a depressão me derrubou.
July foi levantada como mãe de misericórdia da casa. Com o tanto de cuidado que ela demonstrava, parecia que esse cargo foi feito pra ela.
Saí dessa fase da vida fortalecido mentalmente. Não voltei a cambonar. July continuou os trabalhos, fortaleceu suas entidades. Ambos saímos da casa.
Ela me contou que Exu a ensinou a perceber com o coração quem precisa realmente de ajuda. E eu percebo com o meu o tanto que essa mulher cresceu e se transformou.
A July que se preocupou comigo no banheiro carregava um peso nas costas. Hoje ela se prioriza e corre maratonas. Treina disciplinadamente. Trabalha arduamente pra conseguir estar com a família. Não encara relacionamentos que não lhe fazem bem.
O corpo mudou, a postura mudou, mas o que mais me impressiona é que aquele coração que percebia o sofrimento dos outros agora cuida do próprio.
Exu disse que seríamos amigos. Tinha razão. E me deu de presente ver essa mulher se tornar mais forte, sábia e consciente.
Salve a sua força, salve a sua sabedoria e salve a nossa amizade.
→ Salve a força de João Caveira: Para quem tem interesse nos meus relatos sobre saúde mental e não tem medo do Diabo, esse outro texto também aborda a última vez que a depressão me derrubou.
📝 O mês de Novembro no Cosmoliko pt 2
Caso você não tenha visto, esse mês, eu:
- Reclamei sobre o Ghost Explore e expliquei porque não consigo me empolgar com a solução deles para descoberta de conteúdo independente na web.
🎬 Filmes:
Na segunda metade do mês vi O Agente Secreto (2025) ★★★★½, gostei bastante, mas ainda prefiro Bacurau (2019). Também vi Frankenstein (2025) ★★½ do Guillermo del Toro, e esse achei ruim mesmo - o que é uma pena. Terminei o mês com A Complete Unknown (2024) ★★★, e por mais que a atuação do Timothée Chalamet possa ser boa, algo no olhar dele me incomodava muito. Muito mesmo. Sei lá se Bob Dylan era assim, mas a impressão que eu tive é que o ator estava focado demais na técnica. Monica Barbaro como Joan Baez é o ponto alto do filme.
Também vi muito Oasis, Oasis, Oasis contaminado pela vibe do show. Revi o MTV Unplugged e Knebworth (1996), duas obras magníficas, e o All Around The World Live (1997).
📺 Televisão:
Comecei a ver a nova ficção científica da Apple TV+, Pluribus, cuja premissa é interessante: um tipo de invasão alienígena conecta a humanidade numa mente coletiva feliz, harmoniosa e amigável, menos a protagonista que fica pé da vida com essa felicidade artificial que levou embora a individualidade das pessoas. Todos que assistem (entre meus conhecidos) têm comparado essa mente coletiva com inteligência artificial. Criada por Vince Gilligan, mesmo cara do Breaking Bad e Better Call Saul - duas séries que eu nunca vi sequer um episódio. Vou esperar terminar para compartilhar meus pitacos.
Num domingo ressacudo e desabado no sofá, lembrei que eu esqueci de terminar de ver a última temporada de Foundation. Ainda faltavam dois episódios esperando há meses. Um grande sinal de que eu não estava tão envolvido assim. Bom, terminei e achei meio meh.
Também vi o primeiro volume da última temporada de Stranger Things. O cerne da série sempre esteve no Will, era óbvio que terminaria com ele também. A partir daqui pode ter spoilers! O problema é a Netflix, sem coragem de desenvolver adequadamente a sexualidade de um personagem ao longo de cinco temporadas. Parece que cortaram todas as cenas possíveis sobre o coming of age dele se descobrindo gay, e o que sobrou é frágil demais: uma cena reciclada exaustivamente e pouquíssimo desenvolvimento para sustentar o arco final do personagem. A personagem da Maya Hawke virou a solução para não colocar meninos querendo beijar meninos na série mais popular da plataforma, ela vê uma cena do Will com o Mike e já percebe tudo — enquanto o próprio Will não convence. Cinco temporadas para desenvolver uma metáfora tão central? Muito pouco, quase ridículo.
🎧 Música:
Já falei que eu estava totalmente na vibe Oasis, né?
Poxa vida, queria ter parado para processar o que foram esses dias de novembro e escrever a respeito, assim como fiz com o show do Weezer no festival Índigo. A verdade é que meu novembro, por todo momento que eu não estava no Rio de Janeiro, foi totalmente consumido pela vibe Oasis. Quase como Lady Gaga com o Gagacabana, mas em menor intensidade, mais paulista e muito mais hétero.
A partir do momento que pisei em São Paulo, estava totalmente mergulhado. Há mais de ano meu ingresso estava comprado (peguei na primeira leva do mailing artista) esperando esse momento. Para minha sorte, fiquei hospedado na Ana Sara, tão fã quanto eu, obcecada em relembrar a adolescência e como era ser fã de Oasis antes da separação dos irmãos. Revivemos os álbuns, entrevistas, os shows gravados. Sempre prestando atenção nas peculiaridades de Noel e Liam Gallagher - sei lá quantas vezes repeti SUNSHHYYYIINEE imitando o sotaque do marrento. Até finalmente, claro, estarmos ali no show que foi incrível.
Foi provavelmente um dos pontos mais altos do meu ano, ver o Oasis ao vivo. Ana Sara ainda repetiu a dose vendo o segundo show no dia seguinte. Pegou arquibancada e teve uma experiência melhor ainda. Escutei muito isso, que o show do dia 23 foi melhor que o do dia 22, que o som estava melhor, mais alto, e a galera também estava mais na vibe. O brasileiro adora se mostrar como o melhor público do mundo, mas deixou a desejar em relação a Argentina. Não que seja uma competição.
Aliás, o show do Oasis também foi o lugar em que eu mais vi gente uniformizada na minha vida. O tanto de pessoas usando camisetas pretas com o logo da banda não foi pouco. Acho que nunca tinha visto isso, estar num lugar com tanta gente usando o mesmo tipo de roupa relacionado à mesma banda.
📄 Artigos favoritos:
- Contra a hipocrisia (Alex Castro): Nada pode ser mais hipócrita do que acusar alguém de hipocrisia. Ler esse texto me fez lembrar de um momento e do PC Siqueira. Certa vez escrevi esse pensamento e, logo em sequência, ele assustadoramente repetiu num vídeo: “se tornar adulto é se perceber hipócrita”.
- sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #205 (Taize Odelli): O governador Zema de Minas Gerais quis usar papo de coach e IA para fazer média com big tech e angariar votos, mas descobriu que não sabe como adolescentes funcionam.
- 39 (Rodrigo Ghedin em Excertos): Reflexão de aniversário sobre distimia, anedonia e um ano dedicado à saúde mental e física.
- Entre Estantes (Daniely Silva): Sobre o hábito recente de frequentar bibliotecas públicas.
- Sobre blogs pessoais (Blog do TH): Reflexão sobre sites pessoais vs plataformas como Substack e Medium. Thiago defende que ter um site pessoal significa controle total - sua voz, seu espaço, suas regras. “Tenho percebido uma pequena bolha na internet que anseia em sair da loucura das redes sociais onde estamos todos gritando por atenção e ter um espaço próprio para compartilhar pensamentos e ideias mais profundas.”
- Malandragem (Blog do TH): Reflexão sobre ser carioca morando em outro estado e não ter a "ginga carioca" esperada. Mas falou “rolé”, já entrega tudo!
- Onde escondiam os amores (Luca Brandão): Uma história melhor sobre o começo da escrita, incentivando a ser contada de forma diferente da narrativa simples "a partir da paixão pela leitura".
- O Frankenstein de Del Toro ou o Édipo moderno (Caio Amaro): Análise do filme Frankenstein de Guillermo Del Toro comparando com A Forma da Água e outras obras do diretor.
🔗 Outros Links de Novembro pt2:
Tecnologia & Ferramentas
- FreeTube - The Private YouTube Client: Cliente de YouTube focado em privacidade, sem rastreadores e sem anúncios. Permite assistir e baixar vídeos sem conta, com todos os dados armazenados localmente.
- Spokenly – Whisper-Powered Mac Dictation App: Aplicativo de ditado para macOS com processamento de IA local. Sem armazenamento de dados, sem cadastros, apenas ditado puro. Também é possível trazer suas próprias API keys.
- tinyMediaManager: Gerenciador de mídia multiplataforma para organizar sua biblioteca de filmes e séries.
- Bitchat for Gaza - messaging without internet (Tech for Palestine): Aplicativo de mensagens que permite comunicação segura com ou sem acesso à internet, desenvolvido para palestinos que enfrentam blackouts de conectividade.
- Wealthfolio 2.0 - Open source investment tracker: Rastreador de investimentos open source com versão mobile e Docker.
- SOOT SPIRAL (Soot): permite buscar imagens e referências com resultados organizados em uma interface curva e espacial. Ele mapeia padrões, timelines, estéticas e conexões entre imagens da web, criando "moodboards" multicamadas para designers, pesquisadores e artistas. Fui compartilhar um exemplo com a pesquisa “OASIS”, mas descobri que tá bugado.
Obsidian & PKM
- Obsidian Importer can now convert Notion pages and databases (Reddit): Obsidian pode agora importar databases do Notion, convertendo páginas em arquivos locais, privados e duráveis. Quero bem incluir nos meus processos relacionados a projetos finalizados no Notion a fim de ter um backup seguro e resistente ao tempo.
- YouTube video base templates (Reddit): Template para organizar vídeos do Youtube no Obsidian usando thumbnails, algo que não é suportado nativamente. Acho que vou testar essa lógica com thumbs de redes sociais, tenho usado o Obsidian como um arquivista de publicações, mas é muito feio não ter uma imagem ilustrativa nas visualizações.
Ghost & Web Development
- Hardening Your Domain: Advanced Cloudflare Free Security (CF Part 2) (CoreLab Tech): Guia avançado de segurança do Cloudflare para fortalecer seu domínio e servidor Ghost.
- Site missing from Explore and site that shouldn't be on Explore (Ghost Forum): Discussão levantada pela Cathy sobre problemas com sites aparecendo ou não aparecendo no Ghost Explore. O Cosmoliko mesmo não aparece ¯\(ツ)/¯.
Música & Shows (ou melhor: OASIS, OASIS, OASIS)
- Inside Oasis' Saddest Performance (YouTube): Análise de uma das performances mais infames do Oasis no iTunes Festival. 💔
- Depressão pós-Oasis? Então toma o show "bíblico" de domingo em SP (Popload): Show completo do Oasis em São Paulo no domingo, o último dos 38 que lotaram estádios, filmado da galera da frente do palco.
- Oasis Live at Knebworth 1996 2nd Night (YouTube): Concerto histórico do Oasis em Knebworth em 1996, considerado um dos marcos na história da música britânica. "Os shows de Knebworth capturaram a atmosfera do movimento britpop e o zeitgeist da década de 1990."
Blogging & Escrita
- Personal blogs are back, should niche blogs be next? (Hacker News): Discussão sobre o retorno dos blogs pessoais e o futuro dos blogs de nicho. Ando meio encucado com a reputação dos blogs nas bandas de cá atualmente.
- What is the craziest first sentence of a book you've read or written? (Reddit): Thread sobre as primeiras frases mais malucas de livros. Preciso urgentemente fazer uma lista com as minhas primeiras frases doidas favoritas.
Social Media & Pesquisas
- Americans' Social Media Use 2025 (Pew Research): YouTube permanece o mais popular, mas adultos estão cada vez mais usando Instagram, TikTok, WhatsApp e Reddit.
- Liko's 2025 Bluesky Harvest from Anisota (Anisota): Recap do meu ano no Bluesky pelo Anisota. Meus emojis mais usados foram: ❤️ e 🤨. O que combina bastante com meu atual mood: amo todo mundo, mas tô totalmente desconfiado (e distante) desse céu azul em frangalhos.
Recursos & Mapas
- Mapa de Livrarias de Rua de São Paulo (Livrarias de Rua SP): Mapa das livrarias de rua de São Paulo para descobrir seu próximo refúgio literário. Peguei uma na Banca Tatuí, na Santa Cecília.
Etc
- Someone At YouTube Needs Glasses: The Prophecy Has Been Fulfilled (jayd.ml): Análise estatística avançada sobre a densidade de informação do YouTube projetou que em maio de 2026 haveria apenas um vídeo solitário na home page, mas a profecia já se concretizou!!! kkk
- How EVERYONE reacted to STEAM'S NEW CONSOLE/PC (YouTube): ”Reações” ao novo console/PC da Steam que chegou antes de GTA 6.
- Caso de uso bacana de AI generativa (Instagram): "A inteligência artificial está se tornando uma ferramenta muito poderosa para preservar memórias, e quando usada da forma certa, pode transformar lembranças antigas em algo vivo e emocionante." (na real, acho que só as pessoas da minha bolha tech virtual que são ""contra"" IA porque todo o restante do mundo parece achar todos os usos de IA bacanas 🫠)
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