#02 Eu sou o Anticristo para você e um Rick rejeitado
Nessa última semana almocei e jantei assistindo a última temporada de Rick and Morty.
Os primeiros episódios eu já tinha assistido quando foram lançados e não peguei para reassistí-los inteiros, mas passei pelo final do terceiro episódio para escutar novamente a música dos créditos finais que havia causado um impacto em mim.
ATENÇÃO PARA OS SPOILERS!
Algo na sonoridade dos segundos seguintes ao choro do Morty no colo da mãe, pós coração quebrado por ter se apaixonado pela Planetina, alguém que ele não reconhece mais como a super heroína poderosa que se apaixona no início do episódio, algo nessa sonoridade me era familiar.
Sei lá porque eu pensava em Highlander, de alguma forma esse trecho da música me lembrava Highlander - ou me lembrava de Who Wants to Live Forever? -, aí chega o almoço de hoje, termino a temporada e decido ver mais uma vez o final do episódio 3 para escutar a música. Quem é responsável por isso? É tão lindo. Google. Reddit. Kishi Bashi. Nome divertido. Será que... Ah, obrigado, Last.fm e meus scrobbles, por me mostrarem porque a música é tão familiar - e não, não, nada ver com Highlander!
Kishi Bashi é o pseudônimo de Kaoru Ishibashi, compositor e multi-instrumentista, que já tocou violino com a banda of Montreal e Regina Spektor.
Escutei esse artista algumas vezes em 2014, principalmente Philosophize in It Chemizalize With It!, música do album Lighght, lançada no mesmo ano, uma das mais tocadas dele, mais energética e humorada que a que toca em Rick e Morty, que se chama I Am the Antichrist to You, do seu album de estreia chamado 151a de 2012, composto de 9 músicas que somam 34 minutos de violino, batidas de mão, efeitos sonoros e vozes orquestradas magnificamente, intercalando a intensidade e por vezes dando um clima épico que me lembra levemente a pegada do The Shins. A série fez aumentar em 10 vezes os scrobbles do álbum e fico feliz de ser um desses a ter sido instigado a escutar novamente depois de todos esses anos.
Revisitando o episódio 3, entendi porque eu fiquei tão incomodado de estar faltando algo importante na referência ao Capitão Planeta. Realmente, está faltando algo, é o anel do coração. Não existe um filho da Planetina com o anel do coração igual tem o anel no desenho do Capitão Planeta porque o Morty é o coração da Planetina! Céus, os melhores episódios de Rick and Morty são sempre os de finais triste.
Aqui vai a indicação para escutar o debut de Kishi Bashi, 151a.
Rick Eterno de uma amizade sem lembranças
Aliás, outro que teve o coração quebrado nessa temporada foi o Rick. Ao menos sua versão memória que ainda não sabia que o dia da batalha contra a Federação seria um dos piores dias de sua vida, não porque perderiam, mas sim porque o cara que ele ama, seu melhor amigo, o Bird Person, se recusa a viver uma vida niilista de alegrias repetidas pelo multiverso sem importância ao seu lado, rejeitando a proposta do Rick porque ela não vale a sua própria integridade.
Confesso que no momento que eu li o Rick falando para sua versão memória de 35 anos, "porque você o ama", bateu um breve pensamento de aawwnn que fofo o rick é gaayyy, que durou nem sequer um segundo e já foi atropelado pela cena dele se atracando com a alienígena da festa do apocalipse ainda no episódio da Planetina dentro da minha cabeça.
Afinal, assim como absolutamente TUDO a volta de Rick não tem importância, pensar na sua sexualidade a partir dele dizer em alto e bom som para si mesmo que ama seu melhor amigo não faz o menor sentido já que se foram 5 temporadas que deixaram bem claro que Rick é um niilista hedonista extreme que transa com qualquer coisa que lhe for dar prazer, seja mulher ou homem ou alienígenas ou o poseidon poc poc ou cavalos ou até mesmo planetas.
Agora imagina só você ser a pessoa, a consciência, o ser mais inteligente de todo o universo. E a gente já sabe que o universo é grande pra caralho. E a cada episódio da série uma constatação que, mesmo grande pra caralho, Rick tem contato com uma parte considerável não só desse universo como do multiverso e que ele continua sendo o cara mais inteligente de todos, o que apenas nutre toda essa necessidade de cagar para quem tá em volta simplesmente porque NINGUÉM nem NADA tem importância quando ninguém é páreo pra ele num multiverso caótico e sem sentido, exceto a versão do mal dele mesmo que fodeu com ele e sumiu do mapa, tornando tudo que sobrou no multiverso alcançável pelo Rick ainda mais sem importância. E mesmo assim, no meio dessa merda gigantesca que é viver nesse nível de compreensão da vida, existe ao menos uma pessoa, um alguém, que você admira e que mínimamente te entende, que está lá com você, alguém que você respeita e quer por perto, alguém que você ama e, por isso, realmente acredita que pode levar uma vida no mínimo mais interessante por ter essa pessoa por perto num universo de merda caótica sem sentido. E essa mesma pessoa que você ama e com quem você acredita que viverá diversas guerras contra a Federação, seja perdendo, seja ganhando, sejam guerras reais ou não, guerras que não importam num universo sem importância, essa mesma pessoa tira isso de você e escancara o óbvio: que você está sozinho no meio desse multiverso de merda caótica e sem sentido.
Acho que eu já cheguei próximo de sentir o que a série quis transmitir com essa decepção fraternal umas 3 vezes:
- Na sétima série, quando eu falei com o menino novo na cidade e virei seu amigo no primeiro dia de aula. Nos tornamos monitores da escola juntos. Toda manhã revezávamos no cano da bicicleta dando carona um para o outro para acompanhar os alunos mais novos e quando eles viravam de costas baixávamos mp3 no kazaa, líamos contos assustadores e pensávamos em como burlar o sistema da escola para conseguir ver pornografia. Ele escrevia tutoriais de informática para mim no caderno alternando as cores das canetas e toda vez que eu lia ficava feliz daquele garoto ter ido parar naquela cidade de merda em que eu vivia e se tornado meu amigo. Até ele parar de andar comigo para cima e para baixo porque os outros meninos me achavam viado.
- Já fora da escola, já 100% viado, quando meu amigo - que me ajudou e muito no meu processo de aceitação, mesmo que não tenha sido uma tarefa exatamente consciente por parte dele, com quem eu dividia as bebedeiras de segunda a segunda, com quem eu me metia em enrascadas até com a polícia, com quem eu ia parar em outras cidades sem ter como voltar, com quem eu nadava transtornado e pelado na lagoa madrugada adentro, com quem dividi minhas primeiras experiências em muitas coisas, com quem eu fazia planos - mentiu que tinha transado com o garoto por quem eu era 100% apaixonado.
- E, por último, já nos 20 e tantos, quando meu amigo, o mesmo que eu tive o privilégio de acompanhar evoluindo como pessoa e que me acompanhou também, com quem estive em diversas aventuras dessa vida, com quem eu conheci inúmeros lugares ao redor do mundo, com quem eu sempre pude contar para uma boa companhia no rolê ou para qualquer situação que fosse, tomou uma decisão inesperada que ideologicamente ia contra o que eu era e ao que eu acreditava.
Nesses 3 momentos eu tive expectativas quebradas, a mãe da decepção. Nesses 3 momentos eu me senti rejeitado. E se tem algo com o qual eu não sou bom de lidar é com a rejeição. Quem é né? Nem o Rick é, o cara mais inteligente do universo. E, nessa proporção astronômica que ele vive e sente, se fosse um suicida não restaria um clone para continuar multiplicando aventuras vazias, mas como é "só" uma animação, um universo de possibilidades desenhado e produzido por pessoas humanas do nosso universo mesmo, acho que essa é uma possibilidade remota para um personagem tão destruído pela própria compreensão.
Que bad que deve ser ser Rick Sanchez.
Falando em Rick and Morty...
Já viu os clipes live-action que a Adult Swin tem lançado com Christopher Lloyd e Jaeden Martell? Aqui, aqui e aqui.
Obrigado por ler até o final :)
Essa é a segunda newsletter que envio e ainda não sei muito bem o que quero com ela, tô exercitando as possibilidades e vendo qual formato me agrada mais.
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