Quando temos assuntos mais urgentes do que a mudança climática

Quando temos assuntos mais urgentes do que a mudança climática
Photo by Markus Spiske / Unsplash

A sexta temporada do Tecnocracia, do Guilherme Felitti, publicado no Manual do Usuário, começou discutindo a urgência do maior problema atualmente para a humanidade: a mudança climática e os principais fatores por trás dela.

A mudança climática é um problema urgente, isso é indiscutível. O que me pega é continuarmos falando dessa urgência, e não sairmos disso. Portanto, cheguei ao último parágrafo me sentindo novamente como um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Esquece Twitter, metaverso, smartphone, até inteligência artificial. Se tem um tema prioritário para você gastar seus neurônios, é este. É o tema no qual eu tenho gasto os meus. Um cálculo da Bloomberg NEF estimou que serão necessários US$ 200 trilhões para zerar as emissões até 2050. É barato quando a gente considera que a alternativa é a morte.

Esperançoso que o próprio autor ou demais leitores pudessem contribuir com ideias que diminuíssem minha letargia, perguntei como exatamente estão gastando os neurônios nesse tema. Além de pontuar que os esforços mais "incríveis" que já vi das pessoas que pensam sobre isso e buscam alguma mudança não passam de tentativas individuais ou comunitárias, mas que infelizmente potencializam a terceirização da culpa.

Não ficou claro meu questionamento, tampouco do que se tratava essa terceirização da culpa.

Eu não entendi direito a sua dúvida, na real. Que esforços incríveis são esses, quais são as mudanças e, principalmente, como funciona esse “potencializam a terceirização da culpa”? O problema é tão complexo e tão gigantesco que precisará de gente com diferentes backgrounds pensando nele. Quanto mais gente de diferentes campos entender pontos básicos do problema, maiores as chances de termos potenciais soluções para os pequenos problemas que compõem o problema maior.

Precisei discorrer.

A minha dúvida é sobre entender como vocês (e agora eu me dirijo a você que está lendo aí também, me conta como) tem pensado sobre o tema. Alguma hipótese, algum aprendizado, alguma conjectura que possa dividir para progredirmos nesse assunto?

Os esforços mais “incríveis” que conheço se dividem em:

1. Pessoas (veganas e vegetarianas, geralmente) que aplicam em suas vidas e no dia a dia a filosofia de produzir recursos básicos e consumir o menos possível, sempre buscando não agredir a natureza.

Possuem conhecimento de permacultura e bioconstrução. Vivem boa parte do tempo isolados das grandes cidades aplicando essas ideias em comunidades que ensinam permacultura.

Por mais lindo que eu ache suas atitudes, não chega nem perto de fazer cócegas no problema. E aqui entra um pouco da terceirização da culpa[1] : ao passar a ideia que todo mundo que não busca readequar suas vidas tem uma parcela de culpa na crise climática.

2. ONGs que conseguem fazer barulho e interferir em situações, decisões e mexer na política em maior escala.

Por exemplo, um conhecido meu conseguiu executar uma ideia para pressionar o cenário político em defesa da Amazônia, através de uma ação com milhares de drones pedindo para salvar a Amazônia, durante uma assembleia da ONU.

Nesse caso, não acho que passa a ideia de terceirização da culpa. Mas faltam ações e recursos por parte das organizações para que mais pressão aconteça.

Esse caminho do ativismo ambiental me parece ser o mais próximo de fazer diferença na crise climática. Mas não temos uma Greta Thumberg por metro quadrado.

Dito isso, tenho a impressão que vivo pensando nesse tema com o sentimento de urgência há quase vinte anos. A cada ano que passa ele se torna mais urgente, e todas notícias urgentes, como esse episódio do Tecnocracia, fazendo questão de mostrar essa urgência e nenhum tipo de aprendizado, nem sequer um vislumbre de ações palpáveis que poderíamos tomar. Logo, a urgência se torna torpor, e a única maneira de não afundar em depressão seria aceitando que não há nada ao alcance individual que se possa fazer, que não seja sacrificando como você gostaria de estar vivendo a vida que lhe resta para se tornar um ativista. Sei que fica num limiar próximo de parecer determinista, mas como não seria? “Quando até mesmo no seu texto as respostas para as soluções jogam justamente a favor do aquecimento", como disse ao Felitti.

Eu e alguns amigos crescemos sem ter vontade de ter filhos principalmente por saber do inferno que estaria o planeta (toda vez que o bebê de alguém nasce eu penso “meus pêsames” antes de “parabéns”), além de pensar que ter filhos prejudicaria ainda mais o planeta. Cada bebê novo vem acompanhado do pensamento “como vocês tem coragem de fazer isso com alguém?”.

A cada notícia deprimente nova que gera alguma reação surpresa, me sinto como se “ué, mas a gente já não sabia que isso ia acontecer?”.

Quando o documentário “Uma verdade inconveniente” (2006) foi lançado, e exibiram na minha escola, lembro de intermináveis discussões sobre sermos culpados pela merda em que o planeta estava se transformando. Discussões idiotas e respostas adolescentes exageradas, do tipo achar que o aluno que se recusava a tomar um banho de cinco minutos ser um babaca.

Naquela época, tudo meio que girava entorno dessa ideia de que cada um de nós tinha uma parcela de culpa na crise climática. Se o planeta estava afundando, a culpa era sua por não reciclar seu lixo.

Contudo, não importa se todo mundo diminuísse o banho ou reciclasse o lixo ou sei lá, qualquer outro motivo que já tenham criado, o planeta continuaria em crise e se afundando, pois os verdadeiros culpados eram e continuam sendo empresas e bilionários.
Hoje sabemos que o sentimento de culpa e termos como pegada de carbono foram criados e popularizados lá nos anos 2000 justamente como estratégia para desviarem a atenção dos verdadeiros culpados pela crise climática. (Ah, que divertido seria revisitar as brigas idiotas no ensino médio em que a sociedade era culpada de tudo. E Ah, como a publicidade é maravilhosa, obrigado Ogilvy por tornar esse mundo melhor.)[2]

Deve ter ficado evidente que eu não concordo que estamos falando de pequenos problemas que compõem um problema maior.

Embora eu concorde que escolhas individuais conscientes em relação ao clima são importantes, elas não são suficientes para salvar o planeta do aquecimento global. Precisamos de ação coletiva em todas as escalas, desde local até global, que possam mudar políticas e leis.

Deveríamos ir atrás das pegadas de carbono das corporações de combustíveis fósseis, indústria de carne, empresas de energia, sistema de transporte, plásticos e tudo mais.

Por isso… Como exatamente vocês têm gasto os neurônios com esse tema? Alguma ideia de quais são as medidas alcançáveis para solucionar esse problema?

Sinto que só de estar publicando isso daqui já estou contribuindo com o movimento pela mudança mais do que a maioria da população. O que torna tudo ainda mais triste.
Eu adoraria ser tirado dessa inércia.

Por mais que seja um problema que afetará a todos, infelizmente tenho outros problemas pessoais que conseguem ser mais urgentes. Adoraria poder fazer minha parte pressionando o cenário político, participando e gerando algum tipo de mobilização. Mas quando gasto meus neurônios nesse assunto, caio no mesmo lugar de me perguntar como vou fazer para tirar minha mãe da cidade dela, onde ela passou o último ano tendo uma crise asmática atrás da outra devido a mudança climática.

Footnotes


  1. Terceirização da culpa é um tópico que me incomoda. Não posso ver alguém apontando o dedo pro coleguinha que já quero falar. Como no caso do conveniente boicote ao Lollapalooza 2023 em cima da hora. ↩︎
  2. Aliás, nunca vou esquecer da entrevista mais idiota que tive na vida, na dita Ogilvy. Pediram para eu cortar meu cabelo pois precisavam de estrategistas de dados formais. Ai ai. Claro, claro. Vou sim. Inclusive, vou aproveitar e mandar currículo para o Habbib’s para ver se me chamam de volta. ↩︎
Gif do Logo do Cosmoliko, o planeta saturno, rabiscado