Sobre plágio e originalidade. Não é tolice dar os créditos

Um agradecimento aos fiscais de direitos autorais por continuarem incomodando com seus comentários

Elton Luiz criticou a obsessão com "dar créditos" e apontar supostos plágios no seu texto de hoje, “Sobre plágio e originalidade”, publicada na newsletter Cartas ao Condado (substack), dizendo que "No Brasil é mais importante dar os créditos do que falar algo bom."

Ele argumenta que a maioria dos que fazem isso são vaidosos, sendo esse comportamento uma falha de raciocínio gerada pela falta de cultura do brasileiro médio.

"Como as pessoas leem poucos livros e têm poucos autores como referências, parece óbvio que deva-se citar as fontes todas, mas isso é tolice."

Bem, eu, como leitor acima da média brasileira (o que não é nada difícil), acho justamente o contrário. Quanto mais livros leio, mais quero ver as fontes citadas. Não é tolice querer ver as fontes citadas. Inclusive, agradeço mentalmente toda vez que alguém faz os comentários que ele condena.

Embora eu concorde com o que ele diz sobre originalidade, uma reorganização de todas as referências anteriores, acho que tem pouca “fiscalização de direitos autorais”. Manda mais!

Quando a gente cita referências, não se trata apenas de dar crédito a alguém por uma ideia. Não quer dizer que a fonte citada é a responsável por coisas que “são ditas tem uns 10 anos na internet.” Mas ela facilita e expande as possibilidades do leitor, tanto para saber mais sobre o assunto quanto para avaliar as inspirações do autor.

Pode ser que o assunto que você esteja falando já tenha sido vastamente pesquisado pela sua referência e, ao citá-lo, você facilita para que o seu próprio leitor tenha contato com esse material. Não fazê-lo é que me parece vaidoso, querer o leitor na sua mão.

Uma mesma ideia pode ser dita de diferentes formas e perspectivas. A referência que você tem para ela contribui, inclusive, para entender a sua própria inclinação em relação à ideia.

Por exemplo, a própria ideia de que originalidade é uma reorganização de referências anteriores é algo muito antigo. Eu poderia citar Austin Kleon aqui. Seu livro, “Roube como um artista” (2012), é um dos queridinhos dos escritores e criativos. Talvez seja um dos autores mais populares e um dos que mais monetiza em cima dessa ideia. Como eu também poderia citar o filósofo David Hume, que já falava sobre isso centenas de anos atrás, no século XVIII. Segundo ele, todas as ideias são cópias de impressões sensoriais anteriores, o "princípio da cópia”, que se tornou base da sua crítica ao racionalismo e às noções de ideias inatas.

Tu consegue perceber o tamanho da contribuição de David Hume para a nossa visão de mundo? Por maior que seja essa contribuição, talvez eu prefira citar Austin porque o material que ele produz hoje pode ser mais relevante para quem me lê. Isso também me situaria em qual lugar penso sobre originalidade, num campo mais próximo da escrita e criatividade do que num campo filosófico.

Imagina que legal poder ser a porta que se abriu para um leitor entrar em contato seja com a obra de Austin Kleon, seja com a de David Hume?

Meu repertório cultural me fez perceber rapidamente, quando conheci Elton Luiz, de que ele se inspirava em Dan Koe (empreendedor digital conhecido pelo conceito de “One Person Business”, que propõe a criação de um negócio baseado nas habilidades e conhecimentos individuais, o mesmo modelo de negócio aplicado por Elton Luiz). Não precisei ler suas citações a Dan Koe para perceber isso. Mas e as outras inspirações que não fazem parte do meu repertório? Certamente, Elton não se debruça única e exclusivamente sobre Dan Koe.

Como leitor, passo a valorizar mais o autor quando cita outro, deixando claro qual a sua contribuição para a mesma ideia. Mesmo que o citado não tenha sido o primeiro a dizer, saberei qual foi o ponto de partida para a nova contribuição.

Antes de ler um livro, é preciso, sim, julgar um livro pela capa. É preciso julgar as inspirações daquele autor, seu contexto, seu tempo, onde está localizado, etc. A gente começa a ler um livro antes de abri-lo, diria Giorgio Manganelli. O mesmo se aplica para outros meios de consumo de informação, seja produção de conteúdo para vender infoproduto no Instagram ou no Substack.

Por isso, adoro quando alguém comenta “fulano disse isso 6 meses atrás”, principalmente quando se trata de alguém que desconheço.

E, na moral, geralmente, quando existe esse tipo de comentário, é porque o conteúdo está mais próximo de um ipsis litteris do que uma remixagem de referências chamada originalidade.

Em tempos de teoria da internet morta, robôs falando com robôs, era da pós-verdade, big techs tomando escancaradamente a política (as mesmas essenciais para o modelo de negócio One Person Business), parece que a mentira não tem a perna tão curta assim. Mas com certeza ela é lucrativa.

Não tô a fim de esperar as fraudes se revelarem sozinhas, então agradeço aos fiscais por continuarem incomodando com seus comentários, destacando referências que os autores se recusam a compartilhar.

Gif do Logo do Cosmoliko, o planeta saturno, rabiscado