Mais uma vez, e outra, e outra

Faço a leitura do artigo “A impressão luminosa da melancolia: a arte expandida na obra de André Penteado”, escrito por Adriana Soares de Almeida e presente na Coletânea “Literatura & Suicídio” (2020):

“André Penteado, no vídeo "Como você se sente?", parte da obra Não estou sozinho, conta que o pai não é o primeiro suicida da família, mas que repetiu o mesmo ato da irmã. Durkheim foi um dos primeiros a apontar a possibilidade do contágio do suicídio, intimidando particularmente membros da família do suicida:

Muitas vezes, nas famílias em que se observam fatos reiterados de suicídio, estes se reproduzem de maneira quase idêntica. Além de ocorrerem na mesma idade, são executados da mesma maneira. Aqui o enforcamento é privilegiado, ali a asfixia ou a queda de lugar alto. Em um caso citado com frequência, a semelhança vai ainda mais longe: uma mesma arma serviu a uma família inteira, e com muitos anos de intervalo [...] é preciso que essas lembranças os obsedem e os persigam para determiná-los a reproduzir, com fidelidade tão exata, o ato de seus antecessores (Durkheim 2000: 91).”

Não pude deixar de notar esse assombro que ousa me perseguir. Percebo mentalmente ao constatar, mais uma vez, o artifício em comum a mim e ao meu pai; e percebo na pele, ao redor do meu pescoço, sendo pressionada e me deixando sem ar.

Meu pai se enforcou sem saber que eu tentei o mesmo quase vinte anos antes. De todas as formas possíveis, por que ele escolheu justamente a que parece reforçar uma herança que carrego?

Meu pescoço aperta. Antes que eu sofra efeitos indesejados por querer estudar um tema sensível, pego uma tesoura e corto a grossa corda que me impede de respirar. Apenas para perceber que ela continua lá. Corto mais uma vez, e outra, e outra. Por fim, desisto da tesoura e com a mão ergo o maldito laço acima da cabeça e o jogo longe.

Gif do Logo do Cosmoliko, o planeta saturno, rabiscado