Meu(s) primeiro(s) beijo(s)

Se me perguntar como foi meu primeiro beijo, não sei por qual começar. Talvez eu tenha tido vários primeiros beijos. Afinal, o que exatamente define o primeiro beijo? Tem idade para começar a contar? Quão agitada a língua precisa estar?

O último primeiro beijo foi aos 18 anos. Meu primeiro beijo em um menino foi menos romântico e planejado do que imaginei que seria. Quando eu cogitava, planejava e, na hora H, dava para trás. Empurrei com a barriga o tanto que pude esse beijo. Até fazer sem pensar muito, como se tivesse pulado de bungee jumping ou paraquedas, sem chance de voltar atrás no último momento. Foi com o Thiago, e a adrenalina dessa decisão me levou a outras primeiras descobertas.

Antes disso, beijei meninas. O primeiro beijo adolescente em uma garota, aos 14 anos, foi com a Gislaine. Filha da professora de português, por intermédio de Samuca. Ele nem era da mesma sala que a minha, a gente nem era exatamente amigo. Ela nem era da nossa escola, estudava na particular. Em algum momento, sabe-se lá como, conheci a Gislaine através do Samuca. Eles eram amigos, e Gislaine disse a ele que queria ficar comigo. Prontamente, ele agitou isso. Me chamou no MSN e combinamos de nos encontrar em um quarteirão próximo de casa. Foi sentado na mureta do ponto de ônibus que eu e Gislaine demos um belo primeiro beijo de língua. Daqueles que bate dente, a língua perdida procura todos os espaços possíveis e a boca indecisa no quanto abre ou fecha. Samuca segurou vela com sorriso estampado na cara. Voltei para casa orgulhoso e pensando como seria olhar para a professora de português. Será que ela saberia? Confesso que estava nervoso. É como se eu tivesse beijado pela primeira vez, mas talvez ali não fosse a primeira vez.

A primeira vez de língua assim, de dentes batendo e a língua totalmente perdida, pode ter sido alguns anos antes. Era aniversário da vizinha, Bárbara, de 11 anos, e a gente fez essas brincadeiras picantes de pré-adolescente. Beijei a Bárbara, assim como beijei a Daniela e sua prima Natália. Lembro que a Bárbara ficou bem feliz com o primeiro beijo dela. Em várias ocasiões pelos anos seguintes, repetiu que fui eu quem tirou seu bv. Embora eu não pudesse considerar ter perdido o bv ali na festinha na garagem da casa dela. (Alguma criança ainda usa "bv" para se referir à boca virgem?)

Foi meu primeiro beijo mais apimentado, mais experimental e com sequência de bocas. Contudo, houve outro primeiro beijo, um pouco mais contido, mais romântico, totalmente doloroso e absurdamente inocente.

A Naara foi minha primeira amiga. Antes mesmo de nascer, já éramos amigos. Existe uma foto das nossas mães grávidas, os barrigões lado a lado. Tanto eu quanto ela, irmãos do meio. Eu podia jurar sermos predestinados. Como se esse fosse um grande desejo de Deus e de nossas famílias de crentes. Não havia o que fazer, nosso destino estava traçado. Nossos pais se emocionariam de felicidade o dia que anunciássemos o casamento.

Ocasionalmente, nossas famílias se encontravam em casa. Os adultos na cozinha, as crianças no quarto. Certa vez, achamos por bem fazer a alegria deles. Então, chamamos a atenção de todos, seus enormes dentes amarelos congelados das risadas entre piadas que contavam, aguardando a tolice que aquelas crianças de 6 anos tinham para mostrar antes deles voltarem para suas conversas divertidas. Lascamos um beijo na frente deles e não sobrou um dente a mostra. Nos deixaram de castigo, chorando no corredor. A lembrança do meu primeiro beijo é tão dolorosa quanto confusa, não entendi o que havia feito de errado.

Quase 30 anos depois, perguntei para Naara o que ela achava disso. Respondeu nem sequer lembrar do acontecido. Talvez descobrir que o nosso destino traçado pelos céus precisasse esperar um pouco mais tenha machucado somente a mim. Ou teria sido eu um sonhador romântico desde tão cedo que dei meu primeiro beijo numa falsa memória, história fictícia narrada, escrita e imaginada por esse que vos fala?