Macumba pra ateu
Estou catatônico. Acabo de ler a crônica “macumba pra indiano”, de Victor Heringer, presente no livro coletânea Vida Desinteressante.
Victor foi chamado para falar sobre umbanda, numa passagem pela Índia. Explicar sua relação com a religião era algo que ele nunca havia feito publicamente.
Surge essa crônica. Ele conta que tatuou os três pontos riscados das suas entidades: um preto velho, um erê e um caboclo. Meu coração deu uma fisgada, confesso.
Eu já sabia de sua relação com a umbanda, facilmente percebível nas inúmeras referências religiosas por toda sua escrita, mas ainda me faltava uma menção mais direta para entender se essa relação era da roda pra fora, ou da roda pra dentro.
Entender Victor Heringer como médium poderia ser mais um ponto de identificação que tenho com esse autor sublime. Mas me peguei aflito, ainda mais quando ele continua:
“Devo ser um dos poucos médiuns ateus da umbanda. Acredito no transe, porque acontece comigo. E acredito que aqui na Terra existem mais coisas do que sonha a nossa vã neurologia.”
Jamais poderia imaginar ler o que eu costumava dizer na quimbanda em uma crônica sua. Em um livro que estava na minha lista há 4 anos, antes de eu me tornar religioso. Antes de eu ter passado a acreditar em Deus como parte do processo de me curar da depressão. Tenho uma forte identificação com artistas suicidas, mas é a primeira vez que encontro um que também foi macumbeiro e ateu. Será que teria mudado algo na minha experiência se eu tivesse lido isso antes?
Atualmente, não tenho uma rotina de práticas espirituais. Tampouco sei se continuo firme acreditando em Deus. É um conceito tão abrangente e tão nebuloso que fica difícil saber de qual Deus estamos falando.
Uma entidade, que se dizia o demônio, comeu a minha mente e me fez acreditar que eu estava destinado ao inferno com ele. Esse diabo, que me ensinou a louvar satanás, foi também quem me ensinou a acreditar em Deus como forma de acreditar em mim mesmo. O diabo cuidou da nossa reconciliação. Eu ainda não sabia, mas ele fez isso para que eu pudesse experienciar a macumba como eu não poderia sendo ateu e com tantas dores. Foi parte do processo de cura.
A depressão parece distante hoje. A crença em Deus parece algo que eu não preciso mais buscar estar arraigado. Por isso, tenho me interessado por sistemas de crenças que exploram paradigmas diferentes, os quais supostamente permitem manter uma mentalidade fluída, capaz de assumir qualquer visão de mundo temporariamente ao tratar todas elas como úteis em determinado momento. E fico ainda mais interessado naqueles que contrapõe dizendo isto ser caô, que a magia acontece independentemente do sistema de crença.
Me pergunto, quais foram as diferenças entre a minha experiência e as de Victor em relação a macumba? Qual exatamente foi o ponto de virada que me permite ainda hoje estar aqui, escrevendo isso, enquanto Victor não pode mais escrever suas crônicas?