Euphoria
Estava eu me recuperando de uma crise depressiva.
Aí, desavisadamente, comecei a assistir Euphoria. Aquela série lá da HBO - que costuma ter altas produções legais - que ganhou altos prêmios com a atriz Zendaya e despertou em mim curiosidade para assistir há tempos e finalmente o fiz numa noite dessas, achando que seria um bom passatempo para descansar antes de dormir.
O que era para ser só mais uma série teen de buenas, me pegou de surpresa disparando gatilhos para todos os lados. Não imaginava encontrar uma versão atualizada de Skins com melhor fotografia e mais uma personagem danificada. Dessas que atrai gente danificada que se identificam e fodem mentalmente consigo mesmas por verem a personagem ficcional passando por seus momentos de limbo que te lembram os seus próprios momentos de limbo que consequentemente revivem justamente as emoções que não são bacanas de relembrar quando se está se recuperando de uma crise depressiva.
Provavelmente a maioria de vocês que estão me lendo entendem isso (eu acho), afinal quem nunca teve que enfrentar uma doença de humor é minoria nesses tempos.
Mas pra quem pode ter dificuldade de entender é tipo você estar triste e querer escutar música triste mesmo sabendo que vai continuar triste e que tá justamente alimentando essa tristeza até uma hora que se pergunta se você gosta de estar triste ou só tá vivendo a tristeza que precisa viver na medida saudável necessária para se livrar disso e enfim perceber que alimentou demais essa tristeza e ao invés de curá-la dando seu tempo para vivê-la você criou mais um novo monstro que vai querer brigar pelo poder de controlar sua cabeça, machucar seu peito e tirar a energia de seus braços e pernas. Só as duas primeiras linhas desse parágrafo estão relacionadas às pessoas mentalmente saudáveis.
De qualquer forma, amanhã tenho retorno no psiquiatra - babaca, porém sem opções por aqui - para falar como vai indo com os atuais comprimidinhos. Ou não, vai ver ele só vai querer me enfiar mais comprimidinhos se eu mesmo não falar "manda mais que tá precisando”. Sem ao menos eu entender a fundo o dano que eles causarão. Provavelmente fodendo minha libido, trazendo novos efeitos colaterais e, quem sabe daqui a algumas semanas, fazendo finalmente o efeito desejado para me deixar confuso sobre quais foram exatamente as escolhas certas até ali. Porque não basta tomar remédio, tem todo o lance em conjunto de readequações (nutrição, exercícios, meditação etc.) para enfim olhar para dentro e perceber CARAI MERMÃO EU TÔ RACIOCINANDO COM CLAREZA UHULL DEU BOM.
Ahh que saudades da Camila, minha antiga psiquiatra, que - depois de anos me atendendo pós uma crise de ansiedade, quando eu nem sabia o que era ansiedade - me diagnosticou com o transtorno depressivo persistente, me fazendo entrar numa fase de negação, logo aceitação e simultaneamente numa crise de personalidade por questionar todas as minhas opiniões - se eram minhas mesmo ou se não eram a doença. Aliás, sabiam que as pessoas que têm depressão crônica, como eu, são geralmente diagnosticadas tardiamente porque tanto elas quanto quem está à sua volta acreditam que tudo não passa de uma questão de personalidade?
Se fosse ela, amanhã eu já chegaria falando que até as palavras "gatilhos" escritas nos comentários de memes já são suficientes para quererem me fazer chorar tudo que eu não havia chorado nos anos anteriores a descobrir a porra de blefarite no meu olho.
Ah é, tem essa também, dá nem para ter certeza se eu tô com conjuntivite, terçol ou meu olho bugou pela milésima vez por algum fator emocional ou imunidade baixa. Seria tão bom ter uma máquina de raio-x ultramoderna no quarto que, só de passar por ela, apresentasse um diagnóstico exato e com as causas do problema, não é mesmo?
O problema de ter blefarite (que também é crônico e sem cura) sendo depressivo que desencadeia novas crises é que às vezes você não tem certeza se não é simplesmente uma conjuntivite. O tratamento para um fode com o outro e vice-versa. E não é como se eu estivesse ao lado do hospital dos olhos para me receberem pela milésima vez e revirarem os olhos, one more time.
Enfim, pena que a Camila saiu do convênio e, por ser tão boa, estava cobrando 700 pila a consulta. Ela me recomendou buscar urgentemente um novo psiquiatra. O que eu não fiz porque estava no limite de um burnout e saí de férias repentinas para nunca mais voltar porque uma pandemia abraçou a todos nós, etc. (a história que vocês já conhecem).
Voltando à Euphoria. Se você não assistiu, recomendo - exceto caso esteja vulnerável porque tem gatilho pra caralho e umas luzes piscantes para bugar epiléticos.
A série é cheia dessas histórias paralelas para não faltar identificação com as gerações degeneralizadas - e claro que eu me identifiquei com a podridão.
Fiquei pra baixo e um pouco alerta, pois sei que toda vez que tô depressivo fico absurdamente criativo, mas é um criativo que tem que tomar cuidado, por ser aquele que alimenta os monstrinhos que depois podem tomar controle do corpo. Vocês que me leem frequentemente quando compartilho meus sentimentos no privado e me enchem de carinho devem entender o que estou falando.
E olha só, tô compartilhando público - não estou expondo nenhuma novidade mesmo. Principalmente para os que leem tudo que escrevo, que pensei em falar aqui de Euphoria, especificamente o episódio especial que saiu essa semana. Magnífico, abriu mão do formato da primeira temporada para focar no diálogo entre a jovem viciada de 17 anos com seu conselheiro décadas mais velho e 7 anos limpo.
Eu poderia aprofundar uma análise desse episódio, fazer uma analogia com a minha depressão. Mas acho que a injeção de endorfina que levei hoje para voltar à estabilidade mental já está impedindo minha criatividade tão deprimida e me alertando de que não vale a pena fazer isso e perder a chance de dormir cedo para acordar e resolver as tretas de amanhã.
No banho, eu tava cheio de palavras na cabeça a fim de escrever e expurgar. Sobre como eu me sinto em relação à conversa dos dois e como, mesmo 12 anos mais velho que a Rue, continuo tendo os mesmos pensamentos que ela e cuidados diferentes do Ali, mas ainda assim cuidados.
Enquanto Rue está nessa fase de não querer estar aqui por muito tempo e se entupir de drogas, eu já superei isso. Embora compactue do que ela pensa (o que eu nunca vou saber o quanto disso é minha personalidade e o quanto foi minha cabeça doentia quem criou essa ideia), decidi viver ao máximo e ter o máximo de experiências possíveis (afinal, já tô aqui mesmo) e por alguma graça (seja do meu esforço, seja divina, seja whatever) me livrei da maior parte das merdas que me afundavam há muitos anos e nenhum dos meus vícios atuais extrapolam o julgamento da sociedade - como o cigarro (QUE AINDA VOU CONSEGUIR PARAR); ou fazer sessões fotográficas e nunca editar e compartilhar as fotos; ou criar projetos depressivos pessoais com pseudônimos que nunca são finalizados, pois, além de não darem dinheiro, logo eu fico tipo com o humor equilibrado e não vale mais a pena arriscar afundar novamente;
Enfim, eu vou dormir e tô deixando aberta aqui a caixinha para os que gostam de ler minhas groselhas. Não prometo responder tão cedo, mas vai que a fila no psiquiatra amanhã dure horas como na última vez…