Burnout Corona Road e o Books Rehab
Meu ano começou uma delícia com amigos que amo lá em Monte Verde – antes, eu estava um pouco infeliz em São Paulo -, e aproveitei o momento bom para fazer muitos planos para 2020. Porém, tão logo voltei a capital as coisas se dificultaram, mais e mais. Fui consumido exponencialmente, toda energia boa que eu tinha estava sendo sugada e meus planos se tornaram impraticáveis por estar vivendo um período tão desequilibrado, no qual meus valores e vontades não pesavam mais que uma pena.
Em determinado momento, atingido por um desespero que não me deixava saber como continuar gritando por ajuda – e orra, como eu gritei por ajuda – me joguei numa viagem de férias repentina, só para descobrir que o estrago mental em que eu me encontrava não se curava de um dia para o outro. Burnout Road – estrada da cura, apelidei o rolê.
Quando os dias cinzas e chuvosos no Rio de Janeiro enfim deram uma trégua, abracei o Sol e a orla. Subi todos os picos que me recomendavam. E foi lá em cima, suado e sem camisa olhando para baixo que eu me percebi finalmente curado. Estava energizado e pronto para encarar qualquer parada. Minhas vontades pesavam mais. E aberto ao Universo, como eu gosto de operar, fui mandado para Arraial do Cabo.
Assim como o destino não estava esquematizado, tão pouco estava onde iria me hospedar. “Me deixa aqui!”, disse para o motorista do bla bla car. Entrei pelo portão do Books Rehab e começou um novo capítulo. Tanta gente legal, vibe boa, que lugar lindo. Alguns dias vivendo em hostel que jamais seriam possíveis semanas atrás. Praia grande, praia do forno, atalaia, cerveja gelada, papos cabeça e papos ameno. Eu quero ficar. E fiquei.
Então, Burnout Road virou Corona Road. Quarentena impediu novos hóspedes. O lugar paradisíaco alimentado pelo turismo se viu isolado e concedeu privilégios únicos aos que aqui já estavam. Os gringos que conseguiram voltaram para suas casas. Quem pôde, fez isso. Quando eu cogitei a ideia, cadê ônibus? Naquele momento não havia mais transporte. Aceitei fácil a ideia de quarentena no litoral, longe de casa, em outro estado. Mas se tem uma coisa que um período de pandemia durante uma crise política e que priva as pessoas de contatos sociais não é, é fácil.
Éramos 9 no fim de março. Voos cancelados e reagendados. Rolou uma brecha e lá se foi um pra Fortaleza, outro pro sul. Acordei um dia e o casal de argentinos já não estava mais aqui, se encontraram com outros argentinos e se foram. Era o BBB do Books. Quem seria o próximo eliminado da casa? A gente se divertia, mas é impossível ser pleno o tempo todo nesse caos. Angústia assolou mais dois. Lá se foram. Uma com a carona que descolou, outro que conseguiu carona pro Rio e pegou busão pra Curitiba. Uma que foi e voltou, se foi de novo. Éramos 3 um mês depois.
A essa altura eu até poderia pegar uma carona também e seguir de ônibus ou avião para São Paulo. Mas pra quê? Tendo passado tantos dias com italianos, americanos etc. Ou eu já tinha pego corona vairus e levaria para os Ineses ou pegaria no caminho. Vai saber. A capital em direção a um caos ainda maior. Minha preocupação inicial era poder trabalhar quando as férias acabassem, o que foi resolvido assim que a firma me mandou o computador para trabalhar remotamente. Amém. Meu desassosego passou a ser o mesmo compartilhado pela casa, compartilhado pela maioria dos quarentenados. Os sentimentos que o Covid-19 despertou na sociedade.
Jesus, Caio e Alex confinados. Que sorte do caralho a minha de estar de quarentena aqui e não em outro canto desse estado recém chegado, o que poderia muito bem ter acontecido, principalmente quando a polícia me abordou na divisa com Cabo Frio quando fui comprar remédios. Outra história, dentre tantas histórias dessa grande história que virou minha vida, de um dia para o outro, quando saí de São Paulo na madrugada de uma sexta-feira em direção ao desfile das campeãs do Rio.
Todos nós tínhamos outros planos para 2020. Eu tinha tantos projetos, tanta parada para estudar e colocar em pé. Lembro também que eu até cogitei me mudar para o litoral em algum momento e, por fim, foi exatamente isso que aconteceu. Já posso dizer que passei mais tempo no estado do Rio do que SP nesse ano. Virei morador de Arraial do Cabo. Alex e Caio também tinham seus planos. Tenho certeza que nenhum plano feito lá na virada do ano considerava que o mundo como conhecíamos mudaria radicalmente, de ninguém.
É tolice e queima de energia a toa continuar formulando novos planos? Xé, nem é. Tem que se adaptar, sambar conforme a música. Veja só, por exemplo, hoje é o último dia do Caio aqui. Se você perguntasse para ele em março o que ele iria fazer em abril, ele te diria que tinha viagem marcada e ia dar uns rolês pelo Brasilzão, mais uma vez. Depois de dois anos, se afastaria desse litoral para encontrar novos lugares. Rolou? Não rolou. Vai rolar? Não como ele pensava antes. Caio descobriu que vai ser pai. Ó como a vida é loka. Amanhã tá partindo pro Rio conhecer os sogros e dar início a um novo capítulo das suas histórias, começar a cuidar da filha (como a gente já sabe que é filha é outra história cabulosa que merece um texto a parte). É possível que não tenhamos o Caio por perto por um bom tempo. Já tô sentindo sua falta e aposto que o Alex mais ainda.
Não me ensinou a surfar, mas essa ele fica me devendo. Contudo, fez eu ficar mais rico vendendo meus bitcoins na hora certa. E me fez mais rico de experiências e felicidades impagáveis, me levou mergulhar e atravessar até uma ilha nadando. Descobri que sei nadar, boiar e que eu quero ter muito mais tempo na água. Que sensação incrível enxergar toda a vida lá embaixo e nadar com tartarugas enormes. Que sensação incrível atravessar trilhas quase que intransitáveis para se deparar com um dos lugares mais lindos do mundo só para você.
Já como dono de um hostel, como fica a situação de quem trabalha com turismo, como o Alex? Não fica, o setor do turismo é o mais prejudicado. E agora? Essa casa maravilhosa e enorme só para 3 caras, amanhã 2, sem poder abrigar novas pessoas que estão na busca de concretizar seus planos e escrever novas histórias. Lugares assim precisam de novas energias circulando. Já aviso vocês, quando tudo isso passar, venham se hospedar no Books Rehab – como aqui não tem. Ótimo, mas quando isso vai passar? É uma pena para quem não vai poder conhecer esse espaço incrível em que o Alex transformou, que atrai pessoas maravilhosas e faz todos se sentirem em casa. Levanto a mão pro alto e penso com toda força pressionando a têmpora que ele vai conseguir comprar essa casa e o turismo há de voltar. Isso aqui não pode parar.
Certa noite o Alex disse, “Jesus, você é o novo staff!”, e hoje eu só queria poder retribuir dizendo, “Seus problemas acabaram! Toma aqui a casa pra você e aguenta só mais um pouquinho que o caos vai passar”. O Alex é um cara massa que ainda tem muito que viver e dividir com a galera.
Uma coisa eu sei, já venci esse BBB! Sem o Caio, só vai sobrar eu e o Bial. Capaz de sobrar só eu também, mas vamos canalizar energia boa pra que não, para quando chegar a próxima virada de ano possamos fazer nossos planos em paz e sonharmos felizes. Mesmo que os planos não ocorram conforme a gente queira, afinal o mais legal é dar um passo e jogar na mão da deusa. Mas quando chegar esse dia, vou olhar pra trás e lembrar desses meses de quarentena com esses dois caras fodas. Na real, provavelmente a gente ainda estará de quarentena, e sei lá onde eu vou tá.
O importante é lembrar e compartilhar que no meio dessa confusão toda, no meio de tantos sentimentos e emoções que vão de uma ponta a outra, estive num lugar massa dividindo esse momento com esses caras. Obrigado, Alex e Caio. Obrigado, Books Rehab.