Ator Victor Meyniel faz alerta sobre casos de homofobia após sofrer agressão: ‘Não se omitam’
"Existe o ato de injuria racial, homofóbica, gênero. Existe e tá na nossa cara. Existe, é crime e dá prisão. Ontem foi meu aniversário e é um presente poder estar conversando aqui (...) não se omitam, é questão de uma ajuda" orientou Victor.
Coincidentemente, no dia em que o Victor Meyniel foi espancado, rolou uma conversa no café da manhã aqui do hostel em que contei (e quem é meu amigo de Botucatu, talvez lembre) que eu também fui espancado.
Um carro com quatro ou cinco caras passaram assediando as minhas amigas e, no impulso, gritei para eles irem embora. Eu tinha 18 anos e naquela época não entendia como homofobia. Inclusive, me culpava. Afinal, se eu não tivesse gritado para eles irem embora, talvez tivesse evitado o que aconteceu. Mas eu gritei, e bastou isso para eles se sentirem no direito de me agredir.
Fiquei inconsciente. Meu nariz foi quebrado em quatro pedaços. Rasgou os meus lábios. Precisei fazer uma cirurgia plástica. Eles se sentiram no direito de me deixar assim por ter gritado para eles irem embora. "Manda a gente ir embora agora, manda!"
Um dos caras era da igreja católica do meu bairro, dava aulas de catequese, algo assim. Se vangloriava para os outros manos, a tribo relativa aos crias de hoje em dia, de que tinham finalmente arrebentado o emo viado da rua ao lado. Futuramente pude entender que era só questão de tempo para que isso acontecesse, independentemente de eu ter gritado ou não.
No mesmo domingo em que relembrei meu passado e que Victor foi espancado, teve a parada gay em Arraial do Cabo, RJ. Não tinha expectativas para essa parada gay, mas a noite fui ao show da Vanessa da Mata.
No caminho, passei no bar. Dois caras com suas sacolas repletas de cervejas, falando alto para um caralho para que escutassem do outro lado da rua, nitidamente constrangendo a moça do caixa, reclamavam com as mulheres ao telefone de que não era para levarem as crianças no rolê.
“Não é ambiente pra criança não essa porra, imagina só, lá tá cheio de homem sem roupa. Você tá maluca!”. Imagino o que ele entende como um ambiente para crianças.
Peguei minha cerveja sem grandes movimentos. Nem abri a boca para me comunicar com a moça do caixa, pelo olhar a gente se entendia. Não estava com saco algum para lidar com macho escroto. E o comportamento deles era muito agressivo, do tipo que me passava a impressão de que adorariam um pretexto para cair no soco. Eu que não queria ser esse pretexto.
Fui para a parada esperando encontrar os tais homens pelados e me decepcionei ao encontrar a parada gay com o maior público hétero homofóbico em que já pisei. Ao menos, não vi violência física nenhuma, mas também não me senti a vontade.
Em Botucatu, às vezes eu usava roupas femininas. Foi importante para adquirir autoconfiança e passar pelo processo de autoaceitação da minha sexualidade.
Em São Paulo, naturalmente utilizava brincos e saias, se eu quisesse. Foda-se, é São Paulo. E São Paulo passa uma ilusão para as gays, que acreditam demais em suas bolhas e nos seus contos de fadas.
Aqui, não. E em outros lugares mais distantes, ao longo das estradas, eu não me permito usar uma roupa classificada como feminina. A vestimenta é a primeira impressão, na estrada preciso ser visto como o “bicho grilo”.
Viajar num estilo de vida mais “roots” é se colocar em posição de vulnerabilidade. Me permito estar vulnerável a muitas situações para poder viver novas experiências, contudo existem riscos que preciso contornar se sentir minha segurança em risco.
Se entro num carro e não estou numa posição de poder e me sinto ameaçado, se não estou acompanhado, se não estou em um lugar com pessoas conhecidas ou que possam me acolher, automaticamente me torno bolsonarista. Pela minha segurança. Me torno evangélico batizado na igreja católica.
Eu diria que o gay médio de São Paulo não entende a fundo quem é o brasileiro médio. Esquecem facilmente como pensam os homens que não vivem num reduto progressista de cidade grande, quando não convivem com pessoas diferentes.
O machismo e o patriarcado é escancarado em níveis absurdos pelo Brasil afora. Feminicídio ainda é a briga de marido e mulher que ninguém pode meter a colher.
13 anos atrás fui espancado. Esse ano, Victor Meyniel. Em lugares com seus redutos progressistas, como o Rio, isso também acontece. Daqui a 13 anos, outro cara será.
Não tenho expectativas de envelhecer numa sociedade menos machista e menos homofóbica. Talvez seja pessimismo meu, talvez mude de opinião, assim como já pensei o contrário. Contudo, o contrário parece cair na mesma ilusão do gay médio de São Paulo e do Rio de Janeiro. Do gay classe média cis branco e privilegiado.
Vejo, sim, muita evolução e inclusão. Avançamos em termos de representatividade, e no apoio da própria comunidade. Amo pensar que o jovem de hoje consegue ter referências de pessoas LGBTQIAPN+. Referências que eu não tive na infância e que poderiam ter me ajudado no meu processo de autoaceitação. E isso não muda que continuamos sendo o país que mais mata LGBTQIAPN+ no mundo.
Por isso, por mais que eu tenha críticas a comunidade LGTQIAPN+, é pela segurança e sobrevivência nossa, que eu me contento de existirem essas bolhas de ilusão para sermos quem quisermos ser, para pertencermos. E me descontento pela falta de noção sobre política e questões sociais básicas, como a yag que não vê necessidade de apoiar o movimento pro-feminista e antirracista.
Estou com 32 anos e penso muito a respeito de como é envelhecer sendo gay nessa sociedade. Não tenho perspectiva alguma de constituir uma família, não porque não existem casais gays e com filhos adotivos, mas também porque as referências ainda são poucas, a maioria da mesma faixa etária que a minha para baixo. As mariconas por aí tem estilos de vida completamente diferente do meu.
Amanhã serei a gay velha que não vi enquanto crescia, e ainda hoje não vejo. Talvez eu me torne a referência que não tive. Talvez eu possa trilhar um caminho que dará mais segurança e apoio para um próximo.
Quando fui espancado aos 18 anos, poderia ter sido muito pior se eu não tivesse um amigo, gay também, que estava lá e me defendeu. É importante que possamos nos defender.