2025.W03 Ainda estou aqui, David Lynch, Heartstopper e o que não dizer

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Essas são algumas das anotações que fiz na última semana. Achei que ficou muito extenso trazer para cá. Talvez seja melhor mudar o formato ou a escrita (praticamente só tô revisando para dar fim aos erros mais grotescos). Provavelmente, as próximas edições serão menores.

Semana passada completou um mês que me despedi da praia. No primeiro dia que eu estava em São Paulo, de dentro do carro meu amigo apontava os lugares que costumávamos frequentar e não existem mais. Tudo vira prédio. "Sente saudades?". “Não”, não vou mentir. Por mais carinho que eu tenha pelas lembranças e o que eu vivi em 10 anos de São Paulo, não sinto saudades. Mas do mar, esse sim, no instante em que desci do ônibus já estava com saudade. Assim continuo e assim continuarei. Sei disso, pois nesses quase 5 anos que passei em Arraial do Cabo, com idas e vindas, todos os meses em que estive longe a saudade do mar permaneceu resoluta.

Essa semana era para eu aproveitar um compromisso em Botucatu e ficar por lá até semana que vem, quando devo ir para São Paulo novamente por mais alguns dias. Então me dei conta que é período de férias, as crianças estão em casa e eu não conseguiria trabalhar na casa da minha irmã onde ficaria hospedado. Mais uma vez, tive que fazer uma passagem rápida, sem avisar ninguém e torcendo para não encontrar conhecidos. Ainda esse ano quero voltar para Botucatu passar o tempo necessário para reencontros e processar meus sentimentos pela minha cidade natal.

Voltei para o calor de Conchas. Engraçado, eu costumava ter receio de ir para o Rio de Janeiro e não gostar por causa do calor. Hoje, eu tenho receio de São Paulo por causa do calor. Passo mais calor aqui no interior de SP do que lá no RJ.


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Filmes: Assisti, finalmente, Ainda estou aqui (2024), revi Eraserhead (1977) e quase larguei pela metade My Old Ass (2024).

Ainda Estou aqui

"Ainda estou aqui" é tudo isso que estão falando, inclusive as críticas. Amei, mas ainda sou mais "Central do Brasil (1998)". Inclusive, toda vez que acusam Ainda estou aqui de ser melodramático, penso que Central do Brasil me fez chorar e Ainda estou aqui não. Embora fosse convidativo participar dos soluços a minha volta. Especialmente a mulher a minha esquerda começou a chorar antes mesmo de Rubens Paiva ser levado e só parou quando levantou da cadeira. Minha mãe, a direita, estava mais contida.

Sala 1, do Cineflix do Shopping Park Botucatu, fileira D. Lembrar de procurar fileiras acima numa próxima. A cadeira, apesar de espaçosa, não é reclinável e deixa o pescoço desconfortável.

Tem sido muito divertido acompanhar a torcida dos brasileiros por Fernanda Torres em qualquer lugar que ela vai. Todos os veículos de mídia estadunidenses em que ela tem pisado estão sentindo, sem exceção. Senti o Jimmy Kimmel desconfortável com sua magnitude, o vídeo de sua entrevista alcançou o Top 10 no Youtube e já vai bater um milhão de visualizações. E agora estão inundando as redes sociais de Jimmy Fallon para que ele entreviste Fernanda Torres, aparentemente porque acham a personalidade de ambos compatível. O que eu não poderia poderia concordar menos, visto que Jimmy Fallon é um babaca que não pagou ninguém durante a greve dos roteiristas.

Eraserhead

A notícia da morte de David Lynch fez boa parte dos interessados em arte compartilharem um pouco de como um dos diretores mais influentes do cinema também influenciou suas vidas. Não fui exceção, escrevi aqui como já sonhei em estudar cinema na escola fundada por Lynch numa universidade baseada em meditação. A morte dele fez eu me dar conta que a meditação invariavelmente veio a se tornar parte de minha vida, mas muito diferente de como eu supunha que seria na época em que sonhava em fazer cinema.

Emotivo, revi Eraserhead, seu primeiro filme. Tenho a certeza de que nada do que me veio a cabeça nessa sessão se aproxima da minha interpretação na adolescência - que eu fico curioso para saber qual foi. Essa é uma das maiores belezas de Lynch, o significado de suas obras está muito mais no observador do que no artista, sendo uma eterna inconstante sem sentido.

Até pouco tempo atrás, minha filosofia de vida era absurdista, e Lynch talvez fosse o maior dos absurdistas nas artes e na comunicação. Contudo, a cena dele negando elaborar porque Eraserhead é seu filme mais espiritual me enviesou a procurar elementos para entender esse raciocínio. Não cheguei a conclusão alguma, filho da puta.

Alguns artigos que li sobre sua morte: David Lynch, Auteur Drawn to the Dark and the Dreamlike, Dies at 78 (The Hollywood Reporter), e Não entendi, David Lynch (Ieda Marcondes).

A morte de David Lynch também motivou a querida Giovanna Schlutter a iniciar a newsletter In Dreams, refletindo sobre seu processo criativo, a psicanálise e a importância dos sonhos. Temas que me interessam. Como disse a ela, já tenho catalogado mais de 700 sonhos - e estou certo que uma hora vou saber o que fazer com eles.

(PS: vi alguns tantos comentários desnecessários de pessoas condenando cigarro por causa da morte por enfisema de Lynch, ressaltando em mim o sentimento de que acho esse comportamento tão, mas tão pequeno e mediocre. Mesmo sendo eu um ex-fumante que está livre do vício há 4 anos, considero de tamanha pequenez pessoas que não perdem uma chance de condenar cigarro e fumantes.)

(PS2: algumas pessoas estão considerando Lynch a primeira grande perda para a crise climática associando sua morte diretamente aos incêndios em Los Angeles)

My Old Ass

Só dei play porque queria um filme curto para terminar a noite e tinha a Audrey Plaza na capa. Entretanto, tem bem pouco de Audrey Plaza, que interpreta a personagem principal no futuro (e não um par romântico como imaginei que fosse) e que não tem absolutamente nada vê com a versão jovem. Filme ruim. Versão presente e futuro se comunicam por telefone sem a menor explicação e tem um final brega que misericórdia.

O Conde de Monte Cristo

Lembro de ver em vhs a versão de 2002 com Jim Caviezel e Guy Pearce com a minha mãe. Lembro pouco, quase nada, mas havia gostado. Antes de ir embora, queria conferir com ela a última adaptação.

Fiquei incomodado com o desenrolar dos acontecimentos e como se encaixavam na linha do tempo, como se não tivesse um bom equilíbrio no tempo de tela dos acontecimentos.

Fiquei muito incomodado que Edmond Danté utilizava máscaras ultrarrealistas ou mágicas (não sei qual tipo) para enganar as pessoas. De onde surgiu isso?

Minha expectativa era que a vingança de Danté escalasse para um grande clímax que nunca chegou.

Já sei que vou esquecer rapidinho desse filme. Nada marcante nele.


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Leitura: Heartstopper, fofo demais. Além dos que me acompanharão ao longo dos próximos meses por estar lendo bem devagar: Contos Completos e The Boy Who Could Change The World: The Writings of Aaron Swartz.

Heartstopper (e Azul é a cor mais quente)

Li Heartstopper emprestado da sobrinha de 13 anos que é fã e fica animada a cada edição nova que ganha. Assim como a série (que eu só vi a primeira temporada) é uma história extremamente fofa. Gostei do traço e do ritmo da Alice Oseman.

Deve ser legal transitar a adolescência com referências na cultura pop como Heartstopper.

Lembrei de Azul é a cor mais quente. A graphic novel que comprei dez anos atrás hoje está debaixo de outros livros na prateleira da casa da minha mãe. Provavelmente, nunca foi notado pela minha sobrinha.

Gostaria de mostrar para ela, mas me pergunto quão bom seria apresentar histórias queer trágicas e não histórias fofas como Heartstopper. A história dos quadrinhos de Azul é a cor mais quente é deprimente, mais deprimente do que o filme, que tem um final diferente (e melhor). Mas eu também não queria/deveria simplesmente colocar Azul é a cor mais quente para assistir com ela e encarar 10 minutos de sexo lésbico. Vou esperar mais alguns anos.

Azul é a cor mais quente tem algum equivalente fofo a la Heartstopper?


📄 Artigos favoritos:

What You Can't Say

What You Can’t Say

Provavelmente o artigo mais importante que eu li nessa semana. Um longo texto de Paul Graham de 2004 sobre a importância de questionar tabus sociais, pensamentos convencionais e modas morais, incentivando as pessoas a pensarem criticamente e não aceitarem passivamente o que a sociedade considera correto sem reflexão - além de incentivar a simplesmente não compartilhar suas opiniões.

What scares me is that there are moral fashions too. They're just as arbitrary, and just as invisible to most people. But they're much more dangerous. Fashion is mistaken for good design; moral fashion is mistaken for good. Dressing oddly gets you laughed at. Violating moral fashions can get you fired, ostracized, imprisoned, or even killed.

Recentemente pipocou lá no Órbita um post que ultrapassou 300 comentários: Qual a sua opinião mais controversa?

Cocei para não responder alguns comentários e até mesmo publicar uma opinião muito controversa que tenho. Mas o bom senso colocou sua mão sobre a minha e disse “faz isso não cara”. Provavelmente teria sido um caminho sem volta para escrever textões que não funcionariam para absolutamente nada além de me fazer perder horas elaborando minhas próprias ideias sobre um tema que nem mereceria tanta atenção para início de conversa.

Em determinado trecho do texto, Paul Graham diz:

When you find something you can't say, what do you do with it? My advice is, don't say it. Or at least, pick your battles.

No momento em que li isso me lembrei da decisão de não ter participado desse post no Órbita. Publicar uma opinião controversa seria uma "batalha" que vale a pena, ainda mais quando eu não me escondo atrás de pseudônimos?

Preciso retomar minha listinha mental de discussões que eu não participo e talvez formatar uma nova versão englobando novos assuntos.

Por exemplo, em algum momento dos 20 e poucos decidi que não mais discutiria sobre lgbtqfobia e racismo com quem estivesse sendo preconceituoso. Essas pessoas são ignorantes ou de mau caráter e eu não teria nada a ganhar com elas. Diferente delas, que teriam a ganhar muito comigo. Também não discutiria mais sobre drogas, a visão cristã de Deus, meritocracia e basicamente qualquer outro assunto neoliberal. Essa decisão me ajudou a priorizar temas mais importantes para se aprofundar.

Talvez eu devesse estabelecer uma lista repaginada de tópicos que não valem o esforço de uma discussão. Alguns assuntos eu teria que pensar de acordo com sua complexidade, outros são nitidamente fáceis de serem incluídos, como a linguagem neutra.

Toda pessoa que quer discutir sobre linguagem neutra parece imbecil num nível tão escancarado que me faz julgar e menosprezar suas outras opiniões rapidamente. Para esclarecer meu posicionamento: não importa o que eu acho sobre linguagem, a linguagem simplesmente acontece e se transforma ao longo do tempo. E se alguém prefere ser chamado por determinado pronome ou termo e outro alguém se recusa, então esse outro alguém é um cuzão e pau no cu dele.


US$ 30 milhões para reinventar a roda

US$ 30 milhões para reinventar a roda
Tenho pensado e lido um bocado a respeito da Free Our Feeds, uma campanha para “salvar as redes sociais da captura por bilionários”.

A campanha Free Our Feeds busca arrecadar US$ 30 milhões para criar uma fundação que torne o Bluesky mais descentralizado. E mais uma vez Ghedin vem lembrar que o Mastodon já oferece uma alternativa sólida e à prova de bilionários.


BDSM não é defesa: o caso Neil Gaiman

BDSM não é defesa: o caso Neil Gaiman
Predadores que se defendem debaixo do manto do BDSM só estão confessando seus crimes. Mais: é possível separar autor da obra?

Alex Castro fala como predadores sexuais tentam usar o BDSM como justificativa para abuso e pergunta: tem COMO juntar autor e obra?


Why AI Progress Is Increasingly Invisible | TIME

Why AI Progress Is Increasingly Invisible
An AI expert argues AI progress hasn’t stalled, it’s become invisible, which could leave us unprepared for the future.

Garrison Lovely diz que o progresso da IA está ocorrendo de forma cada vez mais invisível, com avanços significativos em áreas técnicas e de pesquisa que passam despercebidos pelo público em geral, mas que podem ter implicações profundas para um futuro em que sequer temos habilidade de rastrear para onde IA está indo.

I fear that the gap between AI's public face and its true capabilities is widening. While consumers see chatbots that still can't count the letters in "strawberry," researchers are documenting systems that can match PhD-level expertise and engage in sophisticated deception. This growing disconnect makes it harder for the public and policymakers to gauge AI's real progress—progress they'll need to understand to govern it appropriately. The risk isn't that AI development has stalled; it's that we're losing our ability to track where it's headed.

Sam Altman and Aaron Swartz Saw the Future

Sam Altman and Aaron Swartz Saw the Future
by David Moore The inaugural class of the YCombinator venture capital/startup accelerator was photographed in 2005. YCombinator provides seed money and advice to promising startups in exchange for a percentage of equity, and has participated in the launch of more than 4,000 companies including Airbnb, Coinbase, DoorDash, Twitch,

David Moore critica a trajetória de Sam Altman, contrastando-a com os ideais de liberdade digital e transparência defendidos por Aaron Swartz, e destaca como o desenvolvimento tecnológico atual se afasta dos princípios originais de acesso a informação.

Aaron Swartz was threatened with decades in jail for accessing (not disseminating) information; Sam Altman, whose company has accessed—and openly monetized—orders of magnitude more information than Swartz, has polluted and then regurgitated that information to the public, and gathered endless cash reserves from investors with which to fend off lawsuits challenging its commercial ambitions.

Tanto Sam Altman quanto Aaron Swartz foram parte da primeira turma do YCombinator. Enquanto Altman se tornou CEO da OpenAI e um dos empreendedores mais conhecidos da atualidade, Swartz, ativista da liberdade digital, enfrentou perseguições legais até se suicidar.

Alguns comentários que destaquei na discussão do Hacker News sobre a matéria:

"Abolish all copyright. I can't believe hackers have lost their pirating roots and have become copyright zealots instead." Kiro
"Hackernews roots were not about the "original" hacking, but more about Silicon Valley for profit entrepreneurs creating stuff for profit to heavy quotes "make the world a better place" and "democratization X"." xtracto
"Even Aaron Swartz, the subject of this post, made a distinction (both in his writing/talks and his actions) between academic, scientific, and judicial articles, which he believed should be free for everyone, and other copyrighted content such as books and movies. He seemed to take a softer stance on the latter."

"I am not a copyright zealot by any means, but I'm trying to keep an open mind regarding the seemingly knee-jerk "abolish all copyright" takes from certain people in the AI sphere." angoragoats
"IP is fake. What I mean is, all laws are fake, but while we have to follow some collective hallucination about magic words giving people authority—to keep society together—the specific delusion that we should enforce artificial scarcity by extending monopolies to patterns of information is uniquely silly." starfezzy

🎧
Música: "The Human Fear” (2025) do Franz Ferdinand. Acho que não gostei muito. E "Carlos, Erasmo" (1971) de Erasmo Carlos (por causa de Ainda estou aqui, claro).

📺
Seriados: últimos episódios da segunda temporada de Silo e o primeiro da segunda temporada de Severance.

Silo é um seriado que não tem nada de excepcional. Assisto porque é ficção científica com Rebecca Ferguson e Tim Robbins. A segunda temporada é menos interessante que a primeira. Nem o último episódio me deixou vibrando, mas fiquei com a sensação de que deveria com a cena final - principalmente com o objeto que aparece em cena e só me deixou meh. Então tá bom.

Severance. Seloko tio. Só a cena de abertura desse primeiro episódio já valeu os 3 anos de espera. Obrigado Ben Stiller! Dedos cruzados para que essa temporada seja tão monstra quanto a primeira.


📸 Foto da semana:

Sempre que eu caminho aqui pela roça, aproveito fazer um carinho nessas meninas, e meninos também. Elas não são lindas?

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